National Geographic - Portugal – Edição 217 (2019-04)

(Antfer) #1

essencial para o nosso bem-estar. Jan passou déca-
das a observar o modo como as pessoas se compor-
tam nos espaços públicos, recolhendo dados sobre
que tipo de espaços incentivam a vida cívica e quais
tendem a ser desinspiradores e vazios.
“Existe grande confusão sobre a maneira de
apresentar a cidade do futuro”, disse-me, en-
quanto estávamos sentados na esplanada de uma
praça, à sombra de carvalhos. De tempos a tem-
pos, ouviam-se os cascos de um cavalo, puxando
uma carruagem cheia de turistas. “Sempre que
os arquitectos e os visionários tentam pintar um
cenário, o resultado é frequentemente algo que
ninguém gostaria de ver por perto.”
Ligou o seu computador portátil e mostrou-me
um sítio da Ford Motor Company na Internet,
chamado City of Tomorrow (Cidade do Futuro).
A imagem mostrava uma paisagem composta por
torres e avenidas verdes, com seres humanos dis-
persos e sem sinais de interacção. “Veja como é


de cidades inteiramente novas actualmente em
fase de planeamento e de construção em todo o
mundo, sobretudo na Ásia. Muitas dessas cidades
afirmam dar prioridade aos peões e aos transpor-
tes públicos, diz a geógrafa urbana Sarah Moser,
mas na verdade não o fazem. Putrajaya, a nova
capital administrativa federal da Malásia, é um
bom exemplo: metade encontra-se reservada a
espaços verdes. No entanto, como Sarah salienta,
“demora muito tempo a andar a pé de um edifício
para o outro”.
A influência de Le Corbusier sente-se especial-
mente nos novos centros urbanos construídos na
China ao longo das últimas quatro décadas. Peter
Calthorpe, orador na conferência de Savannah, ar-
gumentou que esses regimes com torres de apar-
tamentos idênticas, alinhadas ao longo de “super-
quarteirões” com 400 metros de comprimento,
partilham características comuns com os subúr-
bios americanos, apesar de parecerem diferentes.

A EXPANSÃO DESCONTROLADA


OS PLANEADORES ENFRENTAM O ENORME DESAFIO DE COMBATER


QUE SEPAROU TANTAS COMUNIDADES.


divertido passear ali”, ironizou. “Existem apenas
alguns reféns no meio dos carros autónomos.”
“Torres no parque” é o nome que os Novos Ur-
banistas dão a este tipo de design: um legado da
arquitectura modernista, cujo padrinho foi Le
Corbusier. Em 1925, o arquitecto propôs que gran-
de parte do centro de Paris a norte do Sena fosse
arrasada e substituída por uma grelha de 18 torres
de escritórios idênticas, de vidro, com 200 metros
de altura e distando entre si 400 metros. Os peões
poderiam caminhar em “grandes relvados”, ad-
mirando “os prismas translúcidos que parecem
flutuar no ar”. Os automóveis deslocar-se-iam
velozmente em vias rápidas elevadas. Na opinião
de Le Corbusier, o automóvel tornara obsoletas as
ruas de Paris, “este mar de luxúrias e de rostos”.
Tal como a maior parte das ideias de Le Corbu-
sier, o Plan Voisin nunca foi construído. Mas teve
uma influência global, visível em projectos de
habitação famosos nos centros urbanos dos EUA
e nos parques empresariais que marcam a paisa-
gem suburbana. Perdura igualmente nas dezenas


“Existe um único problema: a expansão da área
urbana.” A essência da expansão, explica, é “um
ambiente desligado”. Os moradores nos arranha-
-céus de um parque podem encontrar-se tão des-
ligados dos vizinhos e das ruas lá em baixo, im-
possíveis de percorrer a pé, como quem vive nos
becos sem saída suburbanos. Nas novas cidades
chinesas, as ruas estreitas e flanqueadas por lojas
deram lugar a avenidas de dez faixas, cheias de
automóveis. “O tecido social e económico está a
ser destruído”, resumiu o arquitecto.

MILHÕES DE SOLDADOS regressavam a casa da
Segunda Guerra Mundial e encontravam cidades
sobrepovoadas e esgotadas. As novas famílias pre-
cisavam de um sítio onde viver. A condução até aos
subúrbios parecia libertadora e moderna.
Na China, a expansão da área urbana também
aconteceu por boas razões. Na Praça do Povo,
em Xangai, visito uma exposição sobre a história
da cidade com Pan Haixiao, um investigador de
transportes da Universidade de Tongji.

REPENSANDO AS CIDADES 25
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