REPENSANDOASCIDADES 31
Na manhã seguinte, He levou-me a visitar uma
experiência mais espontânea: um bairro artístico
chamado 798, na região nordeste de Pequim. Espe-
rámos até meio da manhã, aguardando pela acal-
mia das multidões que se deslocam de metropoli-
tano. A estação mais próxima do 798 ficava a cerca
de um quilómetro e meio. Felizmente, as bicicletas
partilhadas de aluguer tinham invadido recente-
mente a capital. Alugámos duas e pedalámos.
Era um final de tarde de Verão quente, com um
“céu azul encomendado”. Havia chefes de Estado
africanos na cidade e por isso o governo chinês
mandara encerrar todas as fábricas poluentes
dos arredores de Pequim, contou He. O distri-
to 798 ergue-se no local de antigas fábricas que
costumavam localizar-se fora da cidade, antes de
serem engolidas por ela. Quando o governo en-
cerrou o complexo na década de 1990, os artistas
começaram a ocupar os edifícios baixos de tijolo.
Gradualmente, formou-se um bairro de galerias,
bares e lojas. Os quarteirões são pequenos porque
tinham sido planeados para um complexo fabril.
“Isto é parecido com Portland”, disse He. “Olha-
mos sempre para Portland como um bom exem-
plo.” Não será fácil anular os efeitos de 30 anos de
construção de superquarteirões. “Tendo em con-
ta a escala e os desafios económicos, vai demorar
20 a 30 anos. Vemos pontos, pequenas peças aqui
e além. Esperemos que, ao longo do tempo, toda a
paisagem urbana vá mudando.”
TAMBÉM NA PAISAGEM DOS EUA há ilhas de espe-
rança a emergir no oceano da malha urbana expan-
dida. Ellen Dunham-Jones, arquitecta e projectista
urbana em Atlanta, uma das maiores cidades do
mundo, mantém uma base de dados com informa-
ção sobre estas cidades. Em 2009, quando ela e
June Williamson escreveram o livro “Retrofitting
Suburbia” [sem tradução portuguesa], analisaram
cerca de oitenta exemplos de espaços suburbanos
em processo de reconversão, na maioria dos casos
ao modelo urbano – ou seja, mais denso e amigo
dos peões. Actualmente, o número de projectos
desta base de dados cresceu para 1.500.
À medida que as compras na Internet eliminam
centenas de centros comerciais, cerca de noventa
estão prestes a “transformarem-se na baixa que os
seus subúrbios nunca tiveram”, comenta.
As forças do mercado impulsionam a transição.
Agora, os jovens procuram um estilo de vida urba-
no e, por isso, muitos dos progenitores ficam para
trás, nos subúrbios. Nas vilas em redor de Atlanta,
como noutros locais dos EUA, “as ruas comer-
ciais foram praticamente eliminadas na década
de 1970. Agora que os centros comerciais estão a
morrer, essas ruas regressam”, disse Ellen.
Em Duluth, 40 quilómetros a nordeste de
Atlanta, visitei uma. Esta era uma área rural até
o crescimento urbano a atingir como um mare-
moto, contou Chris McGahee, director do desen-
volvimento económico de Duluth. Entre 1970 e
2008, a população do condado aumentou drasti-
camente de 72 mil para 770 mil pessoas. Duluth
cresceu de 1.800 para 25 mil. “Saímos de casa dos
pais para a universidade e, quando voltamos, não
encontramos nada daquilo que conhecíamos”, re-
sumiu Chris. “Só na baixa de Duluth é que há uma
fileira de oito edifícios com mais de cem anos. Por
qualquer razão, sobreviveram.”
Chris McGahee começou a trabalhar em Outu-
bro de 2008, no auge da crise financeira. A adver-
sidade gerou oportunidades. “A recessão propor-
cionou-nos terrenos a preços acessíveis”, comen-
tou. Nos anos seguintes, a vila conseguiu adquirir
14 hectares em redor daqueles oito edifícios, junto
da linha férrea. Os edifícios não se distinguiam.
Eram meras relíquias de tijolo do final do século
XIX, mas tinham charme e carga emocional.
São hoje o núcleo central de um bairro de res-
taurantes, com uma sala para concertos. Em re-
dor dessa rua comercial, a vila está a trabalhar na
construção de 2.500 unidades de habitação com
uma distância máxima de dez minutos a pé entre
si. As moradias em banda estão a vender-se antes
da sua conclusão, disse Chris.
O mais ambicioso projecto de revitalização da
região de Atlanta é o da ferrovia BeltLine: trata-se
de um esforço para dar novo fôlego a um circuito
de ferrovias abandonadas com 35 quilómetros,
em redor do centro da cidade. Cinco troços fer-
roviários são agora um caminho asfaltado para
caminhar e correr, andar de bicicleta e de skate.
“Em termos económicos, a história é de enorme
sucesso”, disse Ryan Gravel, a primeira pessoa a
imaginar o BeltLine em 1999 para o seu mestrado
em planeamento urbano. A cidade investiu cerca
de quatrocentos milhões de euros no projecto e
estimulou 3,5 mil milhões em promoção imobiliá-
ria, sobretudo na zona oriental da cidade. No local
onde o Eastside Trail atravessa a Avenida Ponce
de León, por exemplo, um antigo armazém da
Sears-Roebuck transformou-se no Mercado Mu-
nicipal de Ponce, com zona de restauração, centro
comercial e complexo de escritórios. Uma fábrica
da Ford que em tempos fabricouo ModeloT foire-
convertida em lofts. (Continua na pg. 36)