National Geographic - Portugal – Edição 217 (2019-04)

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O governo transformou a maioria das escolas e
centros de saúde de Bidibidi em estruturas defini-
tivas e instalou um sistema de abastecimento de
água. Ao contrário de muitos campos de refugia-
dos, isolados e vedados, Bidibidi integra-se har-
moniosamente e quase não tem barreiras. Quan-
do os refugiados regressarem ao seu país, os ugan-
deses utilizarão as novas escolas, os novos centros
de saúde e o novo sistema de água canalizada.
“Talvez não disponhamos de infra-estruturas
de dimensão importante, como as outras cida-
des, mas acho que as pessoas que conheceram
Nova Iorque dois anos depois da sua fundação
não a achariam muito melhor do que Bidibidi”,
afirma Robert Baryamwesiga, o funcionário pú-
blico ugandês que fundou o campo e continua a
ser responsável pela sua supervisão. “Se nos for
dado esse tempo, também conseguiremos criar
uma cidade muito grande.”


É QUARTA-FEIRA, SÃO QUATRO DA TARDE e está a
começar uma reunião no Ministério dos Assuntos
Inúteis. Com uma bonita camisa xadrez com botões
no colarinho, Henry Anguyo preside à reunião sen-
tado numa cadeira de plástico, junto de uma bar-
raca vizinha à estrada. Duas dezenas de membros
encontram-se sentados em cadeiras e no chão.
Há uma cidade a formar-se em redor e, à se-
melhança dos moradores de qualquer outro sítio,
esta comunidade quer fazer-se ouvir. O ministério
é uma espécie de clube cívico fundado por refu-
giados frustrados, desejosos de melhorar as suas
condições. Muitos habitantes sentem-se ignora-
dos pela burocracia do campo e não têm dinheiro
para comprar produtos de primeira necessidade,
como sabão e sapatos. O ministério tem procu-
rado resolver problemas como o desemprego, as
avarias nas torneiras de abastecimento de água e
o esforço exigido às mulheres grávidas durante as
distribuições mensais das quotas de alimentos ra-
cionados. O grupo tem esperança de, um dia, acu-
mular conquistas suficientes para mudar o nome
do ministério para “Assuntos Úteis”.
Henry era professor no Sudão do Sul e a sua
paciência é útil quando as queixas se amontoam.
Escuta com atenção durante algum tempo, com
um sorriso sereno, antes de interromper: “Bom,
então quais são as soluções?”
Desde o início que os trabalhadores de ajuda
humanitária consideraram existir potencial de
longo prazo em Bidibidi. Miji Park, que pôs em
prática programas para a organização Mercy
Corps, sentiu-se impressionada pela rapidez com


que um mercado surgiu na área de recepção. “Pa-
receu-me evidente que haveria um enorme cres-
cimento económico”, diz.
No entanto, em Bidibidi, um técnico de medici-
na pode dar por si a vender papaias e maracujás,
enquanto uma enfermeira ganha a vida a vender
brincos feitos a partir de fragmentos de garrafas
revestidos com pedaços de tecido. Os habitantes
de Bidibibi vivem num limbo de subsistência. Se a
economia não receber um impulso, acabarão por
regressar ao Sudão do Sul ou abandonar o campo
em busca de outro local onde existir trabalho.
A estabilidade de longa duração implica alterar
o paradigma do campo de refugiados, passando
da ajuda humanitária à economia privada. Um
centro de reflexão estratégica sediado na Califór-
nia está a pressionar os governos dos países de
acolhimento de refugiados para que construam
zonas capazes de atrair investimento estrangeiro.
“Se criarem um enquadramento jurídico em que a
actividade económica seja permitida e as pessoas
beneficiem de estabilidade legal elementar, é pos-
sível desencadear dinamismo e gerar prosperida-
de”, afirma o fundador Michael Castle Miller. “Não
só para os refugiados, mas para todo o país.”
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