SUGAMO
UMANIMADOBAIRROPARAOSIDOSOS
ALGUMAS DINÂMICAS MANTÊM-SE há 20 anos. Os
polícias patrulham as ruas em bicicletas brancas,
crianças pouco maiores do que as suas mochilas
viajam sozinhas, em segurança, no metropolitano.
E a maioria dos habitantes de Tóquio ainda vive
seguindo ritmos de código Morse, correndo entre
casa e o trabalho em linhas de comboio e metropo-
litano supereficientes. O mapa do sistema de trans-
portes públicos faz lembrar um diagrama neuronal
do cérebro humano. Há mais estações em Nova
Iorque, onde vivo, mas todos os dias cerca de dez
milhões de pessoas usam o metro de Tóquio.
Numa manhã límpida de sábado, passeei por
Hachiyamacho, Uguisudanicho e Ebisunishi, en-
trei no comboio da linha Yamanote em Shibuya
até Ikebukuro, onde saí e continuei a andar. No
bairro norte de Sugamo, trabalhadores corriam
para ocupar mesas e varões para pendurar roupa
no passeio de Jizo-dori, na esperança de atraírem
clientes de um fluxo de peões, maioritariamente
composto por mulheres idosas. As bancas ven-
diam camisolas e colares, equipamentos de cozi-
nha, dispositivos ortopédicos, bengalas, joelhei-
ras e fraldas para incontinentes. No entanto, era
a roupa interior que se destacava – cuecas verme-
lhas, bem embaladas, organizadas por tamanho.
Na cultura japonesa, o vermelho está associado à
sorte, à saúde e à longevidade.
Mulheres em grupos de duas ou três caminha-
vam juntas, examinando as roupas, fazendo uma
pausa para sentir a textura de uma cinta, verificar
um preço, comprar uma peça. Os mais jovens pas-
savam a correr junto das bancas ou deslizavam
para o interior de um café, mas a multidão era so-
bretudo idosa, ojii-sans e obaa-sans, avôs e avós.
As cidades falam frequentemente de si pró-
prias referindo-se à vida, ao crescimento, à ju-
ventude – mas a terceira idade e a morte tam-
bém estão sempre presentes, mesmo quando são
altamente ignoradas ou tratadas como mais um
encargo aborrecido. O antropólogo Ted Bestor
falou-me em Sugamo porque, aqui, a morte está
praticamente em exposição. O bairro revela uma
característica definidora de Tóquio: a sua enorme
população idosa, em rápido crescimento.
“Tóquio não tenta esconder os idosos”, disse
o meu interlocutor. “É impossível. Há demasia-
dos. Por isso, os idosos têm o seu próprio bairro e
criam as suas próprias diversões.”
Na maior parte dos países industrializados
prósperos, a taxa de natalidade diminuiu substan-
cialmente, mas o Japão é o país com mais idosos.
Quase 30% da sua população de 126 milhões de
habitantes tem mais de 65 anos. Os óbitos supe-
ram os nascimentos. E embora Tóquio esteja a en-
velhecer a um ritmo mais lento do que o resto do
país, a sua quota deste ónus será enorme e a cida-
de sente dificuldade em decidir como irá cuidar,
sustentar e alojar as gerações que a construíram.
Prevê-se que o envelhecimento esgote a eco-
nomia. Mas existe também um custo psicológico,
mais dramaticamente ilustrado pelo kodokushi,
um fenómeno frequentemente traduzido como
“morte solitária”, em que um ser humano morre
e o seu corpo permanece por descobrir durante
dias ou meses. Até 2035, mais de um quarto da
população de Tóquio terá mais de 65 anos e mui-
tas dessas pessoas viverão sozinhas.
Em Sugamo, contudo, não reparei em qualquer
sentimento de tristeza ou desalento. À porta de
uma loja, um homem e uma mulher olhavam
para a montra, falando de robots. O governo ja-
ponês, que enfrenta o problema da falta de mão-
-de-obra, está a subsidiar o desenvolvimento de
prestadores de cuidados robóticos.
“Será que já podemos comprar um para tratar
de ti?”, disse ele suavemente. A seu lado estava
uma elegante mulher idosa, com um chapéu de
aba larga para se proteger do sol matinal.
“Vais ter de aguentar sozinho”, disse ela. “Estas
coisas são demasiado assustadoras.”
SENDAGAYA
UM PEDAÇO DE SILICON VALLEY EM TÓQUIO
MASANORI MORISHITA É ALTO e magro, de cabelo
escuro, espesso e encrespado. Parece que vibra
um pouco mais rápido do que os outros. Dedicado
ao sector tecnológico, Masanori funda empresas
em série: vendera recentemente uma jovem
empresa por si criada, a Everforth, a uma empresa
tecnológica de maior dimensão, por um valor
considerável. (Continua na pg. 79)
CAMINHADA EM TÓQUIO 73