National Geographic - Portugal - Edição 218 (2019-05)

(Antfer) #1
MAIO 2019

do museu, tem lugar também um estudo sobre os efei-
tos do aquecimento global, com espécies oriundas de
Sicó, a sul de Coimbra, através do aumento gradual da
temperatura ambiente (ramping) e analisando minu-
ciosamente os efeitos sobre a fauna.
É importante recordar que este conhecimento começa
por ser obtido em condições bem diferentes, quase anta-
gónicas, das do laboratório dinamarquês. De roupa clara
e corte elegante, Ana Sofia Reboleira analisa agora à lupa
animais que “não existem” (para a ciência), mas recorda
que a “prospecção de taberna” é uma parte importante
do processo. É um termo curioso. Evoca as ocasiões em
que os membros da comunidade científica, ao balcão
dos cafés e tabernas, de copo na mão, conversam com
pastores, agricultores e habitantes locais que conhecem
o terreno e desvendam a localização de cavidades que
poderão ser depois exploradas.
As lamacentas, escuras e húmidas grutas de onde pro-
vêm estes insuspeitos animais podem estar a milhares
de quilómetros de distância, mas, de olhos postos num
microscópio electrónico de varrimento, com ampliação
máxima de 400 mil vezes, a investigadora recorda com
admiração o seu mais ilustre precursor, Barros Machado,
o pai da bioespeleologia nacional e autor do “Inventário
das Cavernas de Portugal”. Quarenta anos depois, esse
trabalho pioneiro ainda é uma referência!
Em jovem, Barros Machado explorou mais de trezen-
tas grutas, com o irmão Bernardino (nas décadas de
1930 e 1940). Neto do presidente da República Bernar-
dino Machado, o seu incansável trabalho foi dificultado


por motivos políticos (o avô vivia então um exílio
forçado entre Espanha e França por desavenças
com o governo que emergiu do golpe de Estado de
1926) e o cientista acabou por passar também uma
larga temporada em Angola. As suas explorações
eram épicas: percorria as serranias de norte a sul,
montado em burros e progredia pelas grutas à luz
de velas, preso a cordas artesanais.

COM ACESSOS BEM MAIS FÁCEIS, Ana Sofia Reboleira
e a mestranda Rita Eusébio estão de regresso às entra-
nhas de terras algarvias, em Loulé, contorcendo-se
por buracos apertados, com recurso a complexos
sistemas de cordas. A jornada é de progressão maio-
ritariamente vertical. A busca de animais quase invi-
síveis continua, com a excitação própria de quem
sabe que cada visita pode desvendar novos segredos.
Cada dia de campo pode fazer a diferença dado
o desconhecimento e falta de sensibilidade do
público para a preservação destes habitats, bem
patente no cenário exterior, onde um enorme aterro
ilegal de entulho cresce à vista de todos, amea-
çando tapar a única entrada conhecida desta
jóia cavernícola. j

Ana Sofia Reboleira (em cima) nas colecções
do Museu Zoológico da Universidade de
Copenhaga. Desde 2014, a cientista portuguesa
é investigadora da instituição e lecciona as
disciplinas de Entomologia e Zoologia Terrestre.
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