%HermesFileInfo:C-5:20200527:
O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 27 DE MAIO DE 2020 Especial H5
Caderno 2
Roberto DaMatta
Sem intervalo
l]
Luiz Carlos Merten
É o xis da questão do cinema
brasileiro. O grande mito. Em
1931, Mário Peixoto tinha ape-
nas 20 anos quando fez um
filme que entrou para a histó-
ria. Obcecado por uma ima-
gem – uma mulher algemada
–, criou em Mangaratiba um
relato intimista, repleto de
símbolos, em que a paisagem
do mar e da montanha tam-
bém são personagens.
Um suposto elogio de Ser-
gei M. Eisenstein alimentou a
lenda de Limite. O filme sumiu
das vistas. Quando voltou, pa-
ra muitos seria o maior filme
da história do cinema no País.
Decididamente, não é. Mário
Peixoto tentou fazer um segun-
do filme, mas Onde a Terra Aca-
ba ficou inacabado. Resgatan-
do imagens que sobraram des-
se projeto interrompido e con-
tando um pouco da história de
Mário, que viveu e morreu re-
cluso, Sérgio Machado fez o do-
cumentário que passa nesta
quarta, às 23h, no canal Curta!
Onde a Terra Acaba foi inter-
rompido porque Mário e a
atriz e produtora Carmen San-
tos não se entendiam. Ele era
um experimentador de for-
mas, ela exigia uma história
com começo, meio e fim. Não
deu certo. Sérgio Machado, que
dirige o documentário Onde a
Terra Acaba, também é um con-
tador de histórias. Ficou tão fas-
cinado pelas imagens que criou
essa história de Mário Peixoto,
sonhando um filme que só exis-
tiu na cabeça dele.
Filmes na TV
CIRCENSE
É O TRIUNFO
DE ‘BARNUM’
SHOW
ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS
Q
uando fiz 80 anos, há algum
tempo, pois tudo passa meu
amigo, o professor Dick Mo-
neygrand foi impiedoso: “Como vo-
cê está escrevendo os capítulos fi-
nais de sua vida?”.
A penosa interrogação não pare-
ceu apropriada, pois tanto para
mim quanto para o Brasil visto co-
mo sociedade e cultura, a idade ele-
va e nos transforma em “velhinhos”
modelados no Papai Noel com o
branco dos cabelos e da barba sinali-
zando pureza, paciência e bondade
num desdobramento da nossa auto-
ridade. Ademais, os 80 exprimem
um ponto fixo: a “velhice” vista com
nitidez nos nossos álbuns de foto-
grafia, pois ali nos enxergamos tan-
to como estados fixos (meninos, ra-
pazes, homens feitos e velhos) quan-
to como perturbadoras figuras mu-
tantes e instáveis.
Os 80 englobam tudo o que fomos e
interroga rigorosamente o que ainda
podemos ser.
*
O problema dos 80 é o seu esplendor
para quem dá os parabéns, mas nem
tanto para quem os recebe. A chegada
a essa década é radicalmente (repito:
radicalmente!) diversa de entrar nos
20, 30, 40 – na “força da idade”, como
diz Simone de Beauvoir – pois nessa
estação antevemos, como remarca o
realismo do meu amigo americano,
uma progressão para, digamos gentil-
mente, a saída do palco (e do teatro...).
Em sociedades que se imaginam per-
manentes e, por isso mesmo, estão sem-
pre se revolucionando – basta olhar o
mármore e o bronze das suas estátuas,
o aço dos seus prédios, as suas consti-
tuições e estatutos, para se ter noção da
nossa ambivalência relativamente ao
diálogo entre o permanente e o episódi-
co. O Ocidente reproduz pessoas e ce-
nas em objetos, o que não é realizado
em muitos sistemas e culturas.
*
Aos 80, observamos a metamorfose
das idades ou a idade como metamor-
fose. Demora um pouco chegar aos de-
graus que apagam receios e tentam ins-
talar projetos, amores definitivos, de-
terminações e destinos.
As festas de aniversário – pouco ou
nada vistas nas sociologias – esses ri-
tuais de passagem, fabricação e estabi-
lização de corpos e almas – dramati-
zam essas dimensões. Em todas as so-
ciedades há consciência do que se po-
de ou não fazer dos 10 aos 80 anos.
Esses ritos de passagem focalizam es-
ses aspectos. Cada restrição e permis-
são (elas são interdependentes) de-
marca uma fase que vai do nascimento
até a morte. Não há passagem sem
uma demarcação, conforme ensinou
Arnold van Gennep.
No nosso caso, o bolo, fabricado com
ovos, leite e farinha, devidamente vesti-
do de açúcar e ornado pelas velinhas que
anunciam a idade do aniversariante, é
uma entidade central. Colocado numa
da mesa – esse móvel metafísico dota-
do de alma e igualmente vestido com
uma bela toalha –, ele remete a outro
móvel igualmente transcendente: a ca-
ma na qual os presentes eram postos e
na qual o festejado foi fabricado. Na
mesa – essa cama de pernas altas onde
os mortos eram velados – todos se delei-
tam com “comidas” marginais, “doci-
nhos” e “salgadinhos” que não podem
competir com o “bolo”. Bolo que expri-
me, entre muita coisa, confusão, mas
que, naquele contexto, é o aniversarian-
te transubstanciado, pois deve ser obri-
gatória e devidamente comido, num
inocente festim canibal.
Não fosse mamãe, eu não adoraria
chocolate – a massa elementar do bolo
do meu aniversário de 10 anos.
*
Tudo isso para exprimir minha admi-
ração e meu afeto pelos 80 anos do
imortal e diretor referência do cinema
nacional Cacá Diegues. Numa deli-
ciosa entrevista concedida ao Globo,
o aniversariante – com a serenidade
que o distingue – remarca que ainda
tem planos, pois deseja filmar uma
sequência do seu Deus É Brasileiro,
com um título mais condizente (e
esperançoso) com o obscuro mo-
mento que vivemos. Assim, o “Deus
é brasileiro” seria mudado para
“Deus ainda é brasileiro” pois, ape-
sar de todos os descalabros, mesmo
aos 80, Cacá não desistiu do Brasil.
Pegando a deixa e guardando as
óbvias proporções, eu também ima-
gino reescrever o meu Carnavais,
Malandros e Heróis, pois de 1979
(quando o publiquei) para cá, os gra-
ves e importantes sermões do politi-
camente correto suprimiram o riso
carnavalesco; os ladrões suplanta-
ram os malandros; e o Brasil, como
enxergamos entre a vergonha e o
horror, continua precisando de he-
róis ou, quem sabe, de super-heróis
esses deuses inventados pela sofri-
da solidão pós-moderna.
Musical com Murilo Rosa, que estreia em SP
em março de 2021, já está em pré-produção
Baywatch, SOS Malibu/
Baywatch
(EUA, 2017.) Dir. de Seth Gordon, com
Dwayne Johnson, Zac Effron, Alexan-
dra Daddario, Kelly Rorhbach, Pamela
Anderson.
Luiz Carlos Merten
Uma espécie de farofeiros do ci-
nema de Hollywood. A história,
adaptada da série famosa, é so-
bre salva-vidas na praia de Mali-
bu. Pamela Anderson matou a
charada – disse que séries ruins
deveriam ficar na lembrança,
sem precisar virar filmes piores.
A curiosidade é saber como a
Globo vai resolver o problema. É
o filme com maior número de pa-
lavrões da história recente.
GLOBO, 22H36. COL., 121 MIN.
Ubiratan Brasil
A ausência de uma data exata
para a reabertura dos teatros
não desmotivou os produtores
Gustavo Barchilon e Thiago
Hofman – pelo contrário, eles já
acertam os primeiros detalhes
de Barnum – O Rei do Show, mu-
sical cuja estreia está prevista
para março de 2021, quando, es-
pera-se, a situação da pandemia
já tenha aliviado. Será no Tea-
tro Opus, em São Paulo, e com
Murilo Rosa no papel-título.
“Estamos considerando um
cenário em que a vacina ainda
não estará disponível e, desta
forma, seguiremos todos os pro-
tocolos visando a saúde de toda
nossa equipe, como uso de más-
caras, redução de equipe nos en-
saios, testagem de sorologia,
itens para higienização constan-
te, dentre outros”, comenta
Hofman, que vai assinar a dire-
ção de produção. “Em termos
financeiros, estamos projetan-
do uma redução de 60% com as
vendas de bilheteria.”
Para compensar a nova forma-
tação dos teatros, os produto-
res pretendem recriar com es-
mero a energia do espetáculo.
Escrito por Mark Bramble, com
letras de Michael Stewart e
músicas de Cy Coleman, Bar-
num estreou na Broadway em
- A trama se inspira na histó-
ria real de Phineas Taylor Bar-
num (1810-1891), considerado
um dos primeiros showmen da
história. Seu mais famoso em-
preendimento, de 1871, foi o P.
T. Barnum Grande Museu, Zoo-
lógico e Hipódromo Itinerante,
uma mistura de circo, zoológico
e museu de personagens freaks,
com destaque, por exemplo, pa-
ra uma mulher de 160 anos.
Inovador para alguns, mani-
pulador para outros, Barnum foi
um empreendedor que ficou ri-
co e reconhecido por entreter as
pessoas. “Por mais que o espetá-
culo sensacionalista e as exibi-
ções de mau gosto sejam repro-
váveis hoje em dia, o que ele fez
é reconhecido como o princípio
de uma tendência de entreteni-
mento”, avalia o diretor artísti-
co Barchilon. “Barnum afirma-
va que o público entendia que
era enganado, mas gostava disto
pelo simples fato de alimentar o
sonho e se afastar da rotina.”
O personagem foi representa-
do por Hugh Jackman em O Rei
do Show, filme cuja trilha é consi-
derada por alguns críticos co-
mo moderna demais. “Vamos
apresentar um espetáculo ‘old
Broadway’, com músicas e le-
tras de gênios”, continua Bar-
chilon que, para isso, vai contar
com a versão em português de
Claudio Botelho. “Ele não ape-
nas traduz uma canção, mas en-
tende o que o autor quer dizer, o
que o letrista quer expressar, o
que o diretor quer transmitir, e
cria uma versão para os tempos
de hoje e, ao mesmo tempo, res-
peita a obra original.”
Barchilon e Hofman preten-
dem manter o “aquecimento”
da plateia como previsto no ori-
ginal, ou seja, com malabaristas
e ilusionistas espalhados entre
as pessoas, antes do início da
peça. “O circo é a alma deste es-
petáculo – e também um am-
biente sem preconceitos, que
consegue divertir de adultos a
crianças com as mesmas atra-
ções”, explica Barchilon. “Que-
remos que o espetáculo já come-
ce no foyer, onde teremos uma
exposição com manchetes, fo-
tos, anúncio, pipoca, brincadei-
ras e toda a atmosfera circen-
se.” “A magia é que seja um mu-
sical que conte a criação do
maior espetáculo da Terra”,
completa Hofman.
Barnum.
Hugh
Jackman
viveu no
cinema o
personagem
que Gustavo
Barchilon
e Thiago
Hofman vão
levar para
o palco
VIDA E OBRA
DE MÁRIO
PEIXOTO NO
CURTA!
Eliana Silva de Souza
Brasil em destaque
O novo episódio da série Mo-
dernistas vai ao ar nesta quar-
ta, 27, às 22h15, na TV Cultu-
ra, e tem como foco a vida e a
obra de Mário de Andrade.
Um dos principais nomes da
Semana de Arte Moderna de
1922, o artista se destacou
em várias das atividades que
exerceu. Foi pesquisador, mu-
sicista, professor de piano,
escritor, agente cultural, fol-
clorista e fotógrafo. Neste
capítulo, quem norteia a histó-
ria é seu sobrinho, Carlos Au-
gusto de Andrade, e conta
com acervo de fotografias,
além de uma visita à antiga
casa do artista.
Em alta
A estreia da segunda tempo-
rada de Bugados, primeira
sitcom do canal infantil
Gloob, alcançou o primeiro
lugar em seu horário de exibi-
ção, com vantagem de quase
30% para o segundo coloca-
do, e ainda garantiu a quinta
colocação entre os assinan-
tes da TV paga.
Live do dia
O Canal Brasil tem realizado,
em sua conta do Instagram
(@canalbrasil), série de con-
versas com artistas, que falam
sobre suas vidas e seu dia a
dia nesta fase de confinamen-
to. Nesta quarta-feira, 27, às
18h, Simone Zuccolotto bate
papo com Paolla Oliveira.
Isolado e criativo
O episódio que vai ao ar nesta
quarta, 27, às 15h, no Canal
Curta!, da série Geografia da
Arte mostra o artista Keith
Haring no período em que este-
ve na Bahia, nos anos 1980.
Um dos ícones da pop art, Ha-
ring encontrou em uma peque-
na praia baiana o ritmo que
precisava naquele momento
de sua vida. A produção mos-
tra a Serra Grande, onde, qua-
se 30 anos atrás, o artista se
refugiou, distante de tudo e de
todos, um local sem luz ou
água. Ali, teve como ateliê a
areia da praia e pintou árvores
e casas de pescadores. A dire-
ção é de Guto Barra e Tatiana
Issa, e pode ser visto ainda na
quinta, às 9h, no sábado, às
8h30, e, no domingo, às 23h
DESTAQUE
PARAMOUNT PICTURES
Jogos de Guerra/
Wargames
(EUA, 1983). Dir. de John Badham, com
Matthew Broderick, Dabney Colerman,
John Hurt, Ally Sheedy.
Um pequeno clássico. Garoto liga
acidentalmente seu computador
ao do sistema de defesa do Pentá-
gono e provoca um estado alerta
que pode levar à deflagração da
3ª Guerra Mundial. Os militares
agitam-se. O embate é entre o
supercomputador, o Hal-9000 de
Badham, e Matthew Broderick.
TC CULT, 10H25. COR, 113 MIN.
Oportunistas/
The Place
(Itália, 2017). Dir. e roteiro de Paolo Genove-
se, com VIttorio Mastrandea, Alba Rohrwa-
cher, Alessandro Borghi, Silvio Muccino.
Baseado na série norte-americana
de TV The Booth and The End, o
filme mostra grupo de nove pes-
soas que entra num jogo, uma es-
pécie de pacto como o de Fausto,
que vende a alma ao diabo para
atingir seus objetivos. Bom elenco,
bom diretor. Grandes elogios para
o hui clos e o brilho dos diálogos.
HBO MUNDI, 17H35. COL., 105 MIN.
FÁBIO CALDERON
Bem-vindo aos 80
NIKO TAVERNISE/TWENTIETH CENTURY FOX