O Estado de São Paulo (2020-05-31)

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A20 DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


UGO


GIORGETTI


Esportes


Felipe Melo sonha em ter nos


próximos anos o filho mais ve-


lho como jogador do Palmeiras.


Linyker Melo, de 16 anos ape-


nas, é lateral-direito das catego-


rias de base do clube e tem vivi-


do cada vez mais perto do pai –


treinam juntos durante a qua-


rentena, assistem a jogos de fu-


tebol pela TV e o garoto ainda


recebe conselhos sobre como


crescer na carreira esportiva.
Filho do primeiro casamento
do atleta, Linyker morou até o
ano passado com a mãe em Vol-
ta Redonda (RJ), onde jogava
no time local. No início deste
ano, antes da pandemia, ele se
mudou para São Paulo, para fi-
car com o pai e mais três ir-
mãos, fez teste no Palmeiras e
foi aprovado no sub-17. Desde
então, o garoto acompanha de
perto os passos do pai.
Felipe diz que o filho tem boas
chances de se tornar um bom jo-
gador. “Ele tem uma força física
muito grande. Vejo potencial ne-
le. Acho que precisa apurar a téc-
nica ainda, mas fisicamente a

gente até brinca e o chama de
‘cavalo’. É como um trator, pas-
sa por cima mesmo”, diz o pai.
Felipe e Linyker têm treinado
juntos em uma rotina prepara-
da pelo clube. A dupla realiza
atividades físicas, joga futebol e
debate sobre tática enquanto
acompanha pela TV os jogos do
Campeonato Alemão.
“É um garoto focado. Ele tem
um exemplo dentro de casa e
acaba seguindo”, disse Felipe
Melo. “Eu vejo nele um esforço
muito grande. Ele está aqui, em
Paraty, e está aproveitando que
está com o pai. Tudo o que a
gente faz pelo time profissional
nos treinos, ele faz também. É o

foco dele”, acrescentou.
Felipe Melo comenta que vê
em Linyker alguns traços em co-
mum com a sua personalidade,
como a competitividade e até o
estilo na comemoração de gols.
Em dezembro do ano passado,
pai e filho jogaram no Maracanã
em uma partida beneficente or-
ganizada pelo ex-meia Zico.
Linyker marcou um gol e, ao ce-
lebrar, fez a coreografia de pit-
bull, a mesma utilizada pelo pai
em alguns jogos do Palmeiras.
Por fim, Felipe afirmou que
espera ajudar o filho a seguir em
sua profissão. “Prefiro pensar
nos objetivos passo a passo. O
primeiro deles é ajudar o
Linyker a se tornar profissio-
nal. Se isso se concretizar, já se-
rá a realização de um grande so-
nho”, comentou. / C.C.

BAYERN GOLEIA E CAMINHA


PARA MAIS UM TÍTULO


E-MAIL: [email protected]

ENTREVISTA


Ciro Campos


O zagueiro, volante e capitão


do Palmeiras, Felipe Melo, gos-


taria que o Brasil deixasse de


lado a polarização política e se


unisse para superar a pande-


mia do novo coronavírus. O jo-


gador de 36 anos disse em en-


trevista exclusiva ao Estadão


que mantém o apoio ao presi-


dente Jair Bolsonaro e lamen-


tou que o País esteja muito


fragmentado pelas diferenças


partidárias nesse momento de


crise de saúde.


Na casa de praia em Paraty


(RJ), base de seu isolamento, o


jogador tem a companhia da


mulher e dos filhos e mantém


contatos com o Palmeiras para


executar uma rotina de trei-


nos. O capitão do time defen-


de que o futebol não pode ter


pressa para voltar e elogia a


postura do clube de negociar


com o elenco uma redução sa-


larial de 25% para evitar a de-


missão de outros funcionários.


lComo você está sem o futebol?


É complicado porque não tem
a rotina de vestiário e de cam-
po, de ir todo dia para lá, encon-
trar seus amigos, ter a resenha,
jogar, treinar... Confesso que
de nenhuma forma as concen-
trações me trazem saudade. Pa-
ra ser sincero, com 36 anos não
sinto falta disso, mas tenho
muita saudade do vestiário.
Apesar de os filhos estarem co-
migo e de jogarmos todos os
dias, não é a mesma coisa.

lComo capitão, qual foi o seu
papel na negociação coletiva do
elenco para reduzir os salários?
Eu não gosto de falar só de
mim. Todos nós fomos essen-
ciais nessa questão. Eu, como
capitão da equipe, tive de “ti-
rar o carro da frente”. Mas to-
dos participaram. A verdade é
que tanto o Anderson Barros
(diretor de futebol) quanto
nosso presidente (Mauricio
Galiotte), o Cícero (Souza, ge-
rente de futebol) e o (Vander-
lei) Luxemburgo foram essen-
ciais quando chegaram e fala-
ram: “O Palmeiras não vai
mandar funcionário embora”.
Em minutos, todos os jogado-
res deram aval e pensamos em
ajudar as famílias dos funcioná-
rios. A gente tem visto situa-
ções de grandes clubes man-
dando embora funcionários
que ganham R$ 1.500. Isso é co-

vardia, porque acaba com a vi-
da de uma pessoa que tem
anos de clube e com a vida das
pessoas que são sustentadas
por ela. O Palmeiras foi corre-
to nesse ponto. Vimos tantos
patrocinadores que saíram dos
clubes e os nossos patrocina-
dores mantiveram seu posto,
para que o Palmeiras pudesse
manter seus funcionários. Isso
é muito importante.

lA sua família está cumprindo
as orientações de isolamento?
Tenho uma avó com 75 anos,
que está no grupo de risco.
Meu pai e minha mãe estão to-
mando todas as precauções, fi-
cando em casa, usam másca-
ras, luvas e álcool em gel. A
gente entende que tomar esses
cuidados são importantes por-
que protegem eles e os outros
também. Mas confesso que mi-
nha preocupação não é tanto
com eles, porque são pessoas
que têm condição boa e se cui-
dam muito. Eu já vi reporta-
gens que mostraram mortes
em favela. A gente está em
uma guerra, tem de tomar to-
das as precauções.

lVocê acredita que o futebol pre-
cisa ter paciência para voltar?
Eu creio que o Palmeiras está
agindo de forma cirúrgica. Em
nenhum momento ele vai fa-

zer algo que não seja autoriza-
do pelo prefeito, governador e
a OMS (Organização Mundial
de Saúde). A gente não vai pei-
tar ninguém. É claro que a gen-
te quer voltar. Eu sou a favor
da volta do futebol, mas com
precaução e segurança para to-
do mundo. Tem de voltar com
toda a segurança possível. Na-
da tem de ser feito com pressa.

lAlguns times já voltaram a trei-
nar. Eles não podem estar em
vantagem?
É claro que quem voltou pode
estar um passo à frente dos de-
mais, mas ninguém está para-
do. Assim como nós, do Pal-
meiras, estamos fazendo nos-
so trabalho de casa, outros

também têm feito. No Cam-
peonato Brasileiro todos vão
estar no mesmo patamar.

lO que você acha das notícias
sobre o Brasil?
Não acompanho, não vejo na-
da. A gente não vê notícias.
Tem uma briga política tão
grande, né cara? Eu não enten-
do nada de política. A minha
prioridade é não deixar os
meus filhos assustados. Minha
prioridade é ajudar quem mais
precisa. Só vejo televisão para
ver futebol ou filme.

lApesar de não acompanhar,
você sempre se posicionou politi-
camente.
Tem certas pessoas que, quan-

do se assumem para direita, es-
querda ou centrão, acabam to-
mando uma pedrada maior.
Mas a verdade é que qualquer
coisinha que faço já tomo pe-
drada. Então, uma pedrada a
mais ou a menos não muda. O
momento não é de falar de po-
lítica. O importante é união,
para acabarmos com essa guer-
ra, com esse vírus que está le-
vando tantas pessoas. É hora
de união do Brasil e do mundo.

lVocê gostaria de ser técnico?
Penso em continuar dentro do
futebol no futuro. Se vou ser
treinador, comentarista, dire-
tor, aí eu não sei. Não tenho
uma prioridade. Minha priori-
dade é continuar no futebol.

]Restando cinco rodadas para o fim
do Campeonato Alemão, o Bayern de
Munique parece perto de conquistar
o torneio pela oitava vez seguida. On-

tem, a equipe da Baviera venceu o
Fortuna Düsseldorf por 5 a 0 e abriu
10 pontos para o vice-líder, o Borus-
sia Dortmund, que joga hoje contra o
Paderborn. Lewandowski marcou
duas vezes. Jorgensen (contra), Pa-
vard e Davies fizeram os outros gols.

Lateral-direito na base


palmeirense, Linyker é


elogiado pela força física;


falta apurar a técnica do


‘cavalo’, diz Felipe Melo


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Foco. Felipe Melo afirma que momento não é de falar em política, mas de união contra vírus


‘A gente está em


uma guerra, tem de


tomar precauções’


Jogador prepara filho como sucessor: ‘Tem potencial’


S


entado na sala, esperava o
clássico que ia se dar no enor-
me estádio que ficava bem
diante de seu prédio. Sua mulher e
filhos tinham saído para o tradicio-
nal almoço de domingo na casa dos
sogros, e ele podia ver o jogo em paz.
Da rua, sempre tão silenciosa, ouviu
de repente um som pouco usual. Era
sem dúvida um canto de torcida.
Poucas vozes, entretanto, que pare-
ciam vir do fundo das eras.
Ele levantou-se, foi até a janela e
viu o que já vira muitas vezes, embo-
ra com longos intervalos. Um peque-
no grupo de torcedores se agrupava

diante das muralhas impenetráveis do
estádio onde ia transcorrer o clássico.
Eram uns dez ou 12, alguns jovens, a
maioria velhos. A visão o fez dar um
sorriso indulgente.
Reconhecia o distintivo do seu clube
estampado nas velhas camisas que os
integrantes do grupo usavam, um de-
les até empunhava uma gasta bandei-
ra. Estavam todos preparados para um
jogo que jamais veriam. A imagem da-
quele grupo na rua deserta, diante da
alta muralha, cantando, dava à cena
um aspecto surreal, um pouco sotur-
no, como num quadro de De Chirico.
Desde a Grande Pandemia não havia

mais torcedores em estádios, todos sa-
biam disso. No começo por imposição,
depois por um medo natural, finalmen-
te por costume. O fato é que ninguém
ia mais aos estádios mesmo que a Gran-
de Pandemia já fosse, há anos, apenas
uma lembrança. A maioria das pessoas
se alegrava com isso. Haviam acabado
as brigas de torcida, os palavrões, a su-
jeira nas calçadas, o barulho, a feiura.
Ele também se adaptara rapidamen-
te aos novos tempos e lembrava vaga-
mente daqueles dias antigos de antes
da Grande Pandemia. Ainda na janela,
viu uma viatura de polícia surgir e se
encaminhar vagarosamente na dire-
ção dos torcedores que cantavam. Não
ligavam sirenes, não cantavam pneus,
apenas foram chegando perto. Os tor-
cedores imediatamente cessaram
seus cantos e, também sem pressa ex-
cessiva, começaram a se dispersar.
A viatura passou por eles lentamen-
te e os acompanhou por pequeno espa-
ço de tempo. Ele seria capaz de jurar
que um policial dirigiu algumas pala-

vras aos torcedores. Sem gritos, pois
nem ouviu sua voz.
Um dos integrantes do grupo come-
çou a enrolar a bandeira que empunha-
va até que ela desapareceu em suas
mãos, tornando-se apenas mastro. Os
outros caminhavam desanimados. A
viatura, sem aumentar muito a veloci-
dade, com a mesma calma virou uma
esquina e desapareceu. A pequena reu-
nião de torcedores foi se separando
em direções diferentes até também de-
saparecer. A rua ficou deserta, apenas
com um caminhão de externa de uma
televisão que ia transmitir o jogo esta-
cionado junto ao estádio.
Ele não deixou de pensar no que tra-
zia, de quando em quando, alguns ex-
cêntricos a se reunir diante do estádio
vazio, bradando velhos cânticos. Qual
a motivação deles? Por que insistiam?
E não eram sempre os mesmos, ao con-
trário. Já tinha visto grupos onde se
contavam crianças e mulheres. Sem-
pre com o mesmo resultado. Seria um
protesto? Contra o quê?

De repente, viu surgir na rua o ôni-
bus que conhecia tão bem. Enorme,
indevassável, silencioso como um
presságio. Nada se via do que se pas-
sava dentro, apenas um imenso dis-
tintivo na lataria cinza. Não havia
alegria na imagem, mas solenidade
fria. Ele ficou feliz, pois torcia para
esse clube. Viu o ônibus chegar dian-
te da majestosa entrada que se abriu
silenciosamente como se não fosse
movida por força humana.
O ônibus mergulhou no interior
do estádio e o portão se fechou do
mesmo modo. Ele sorriu, seu time
tinha tudo para ganhar. Exceto pelo
caminhão da TV, a rua tinha voltado
a ficar completamente deserta. Ca-
minhou para sua poltrona, pegou o
celular para ler os comentários que
a crítica especializada estava fazen-
do sobre essa grande partida decisi-
va, fundamental, para o desfecho do
campeonato. Os jogadores já esta-
vam em campo, o juiz apitou. Da rua
não vinha nem um pio.

CHRISTOF STACHE/REUTERS

NILTON FUKUDA/ESTADÃO–6/1/

Felipe Melo, jogador do Palmeiras


Apoiador de Bolsonaro,


capitão do Palmeiras diz


que clube está certo


ao seguir orientação de


governador, prefeito e OMS


PALMEIRAS

Futuro. Filho do zagueiro se destaca na base do Palmeiras


Um pouco de ficção

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