National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

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“Em matéria de tomada de decisões e de exercí-
cio do poder, as mulheres eram uma parte essen-
cial do processo”, diz, acrescentando que as tra-
dições patriarcais ocidentais dos colonizadores,
mais especificamente o cristianismo, “causaram
grandes danos ao sistema”.
No fim do século XIX, as mulheres maori, com
destaque para Meri Te Tai Mangakāhia, fizeram
campanhas pelo direito das mulheres ao voto e à
representação parlamentar. “As mulheres maori
nunca partiram do princípio de que não tinham
qualquer papel nem qualquer voz, como as mu-
lheres ocidentais fizeram”, diz Margaret Mutu.
De muitas formas, a cultura maori populari-
zou-se, embora a aculturação também possa ser
uma manifestação do colonialismo. Saudações
maori como kia ora são amplamente usadas pelos
não-maori e os rapazes que frequentam a escola
aprendem a dança de guerra haka. Apesar da apa-
rente integração, as relações comunitárias entre
alguns maori e não-maori são tensas, havendo
disputas pendentes de direitos de propriedade da
terra e alegações de que o Estado tem sido precon-
ceituoso para as mulheres maori.
Kiritapu Allan, de 36 anos, foi nomeada pelo
Partido Trabalhista e é um dos 29 representantes
maori na Câmara. Ela lembra-se de andar à boleia
em Wellington aos 17 anos. Recorda-se também
de olhar para o edifício do Parlamento, conhecido
como Colmeia, e interrogar-se sobre o distancia-
mento “daqueles corredores ou câmaras de po-
der”, diz. “Como podem estas pessoas representar-
-me? Será que compreendem pessoas como nós?”
Kiritapu Allan regressou à escola para estudar
direito e ciência política. Aderiu ao Partido Tra-
balhista de Ardern enquanto frequentava a facul-
dade e estagiou no gabinete da primeira-ministra
da altura, Helen Clark. Na sua qualidade de jovem
mulher maori criada num ambiente operário
modesto e mãe casada numa relação homosse-
xual, reconhece que chegou ao Parlamento em
2017 graças a imensa sorte e trabalho duro e não
a escadas estruturais que pudessem ter contri-
buído para a sua ascensão. “Quer sejamos jovens
e indígenas, jovens e étnicos, jovens e mulheres,
se tivermos uma vida sem privilégios, há desafios
significativos a superar”, diz.
A primeira-ministra Jacinda Ardern foi notícia
por ser uma mulher solteira e grávida a governar
um país. Kiritapu Allan conta que, quando levou
o seu bebé de 4 meses para o Parlamento, susci-
tou “muita oposição virulenta. Como se atreve
uma mãe a estar no Parlamento, a ser mãe de uma


criança?”, recorda. “Se quisermos incentivar um
número cada vez maior de mulheres a fazerem
parte da força laboral e a acederem a cargos de po-
der e liderança, as mulheres precisam de mostrar
como é a liderança nessa matéria.”
No seu discurso de apresentação à câmara em
2017, envolta no manto korowai da sua família,
adornado com penas de korowai, Kiritapu descre-
veu o modo como a sua avó homónima foi castiga-
da por falar a sua língua nativa na escola e como o
seu nome foi alterado de Kiritapu para Kitty.
“A identidade cultural da minha avó foi-lhe ar-
rancada naquela escola e, de certo modo, a sua
voz também lhe foi retirada. Por isso, avozinha,
aqui estou eu, neste Parlamento, para honrar o
teu nome, para dar voz a quem não a tem, a todos
os que, por qualquer circunstância, não puderem
falar em seu nome”, disse.
Questões relacionadas com a lei, os direitos hu-
manos, a autoridade pública e o impacte sobre as
comunidades indígenas inspiraram os esforços
de Kiritapu Allan para se tornar advogada e, mais
tarde, política. “Isso impulsionou a minha carrei-
ra, no sentido de compreender o direito e as suas
aplicações e a maneira como a lei pode ser usada
não apenas como ferramenta de opressão, mas
como ferramenta de libertação ou, pelo menos,
para restringir a opressão.”

A


INDA ASSIM, há muito que as leis
não conseguem fazer. Há limites
para legislar reformas, sobretudo
se as atitudes da sociedade não
mudarem ou se a aplicação das
leis for permissiva. No papel, a
Constituição da Bolívia de 2009
garante direitos iguais às mulhe-
res. Legislação como a Lei 348, de 2013, criminaliza
a violência contra as mulheres e impõe penas de
prisão de 30 anos para o feminicídio, sem possibili-
dade de liberdade condicional. No entanto, as taxas
de condenação são deprimentes. Menos de 4% dos
crimes de feminicídio resultam em condenações.
Em Abril de 2019, a deputada Shirley Fran-
co Rodríguez, de 32 anos, pediu a criação de um
painel para investigar atrasos judiciais em casos
de feminicídio e violação. “O principal problema
é que existem leis, existem direitos, existem san-
ções, mas não há mecanismos para aplicar a lei.
Por isso, tudo é retórico. Não é real”, disse.
A violência contra as mulheres na política é tão
generalizada que, em 2012, a Bolívia foi pioneira
na aprovação de uma lei destinada a combatê-la.
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