LIDERANÇA POLÍTICA 85
Setembro de 2016, homens mascarados espanca-
ram-na quando saía do gabinete.
“Ameaçaram-me que, caso não me demitisse,
as minhas irmãs sofreriam as consequências, bem
como a minha família”, diz. Quatro vereadores
foram sequestrados com o intuito de pressionar
Bertha Quispe a retirar a queixa sobre o ataque.
Ela retirou-a, os quatro colegas foram libertados
e não houve acusações formais. As portas do edi-
fício municipal onde trabalhava foram soldadas e
emparedadas com tijolos, obrigando-a a mudar-
-se para outra cidade para sua própria segurança.
Não sabe se irá recandidatar-se.
A presidente da câmara de El Alto, Soledad
Chapetón Tancara, de 39 anos, de etnia aymara,
pertence ao outro lado do espectro político. Mem-
bro da Frente de Unidade Nacional, ficou com o
lugar de um homem que representava o MAS e
fez da guerra contra a corrupção na sua cidade, a
segunda maior da Bolívia, com um milhão de ha-
bitantes, a pedra angular do seu trabalho.
A Lei 243 criminaliza acções como divulgar in-
formações falsas sobre mulheres políticas para as
desacreditar ou, no caso da presidente da câma-
ra Patricia Arce, pressionar uma mulher para se
demitir de uma posição eleita e agredi-la fisica-
mente. A presidente da câmara apresentou uma
queixa formal, mas não sabe se será feita justiça.
Em 2019, a Associação de Vereadoras Bolivia-
nas, uma organização não-governamental que
junta vereadoras e presidentes de câmara muni-
cipal para defender os direitos das mulheres, re-
cebeu 127 queixas por assédio e intimidação. Em
2018, ocorreram 117 queixas e, no ano anterior, 64.
Bernarda Sarué Pereira, directora executiva da
organização, suspeita que os números reais sejam
muito mais elevados, mas acha que o medo im-
pede as mulheres de denunciarem as agressões.
“Quando alguém apresenta uma queixa formal,
começa a sofrer o dobro da perseguição, o dobro
do assédio, sendo ainda mais incomodada e estig-
matizada”, afirma.
Soledad considera-se afortunada por não ter es-
tado na câmara municipal no dia 17 de Fevereiro
de 2016, quando um incêndio matou seis funcio-
nários públicos. Ela acha que foi visada pelo seu
trabalho contra a corrupção. Em Outubro do ano
passado, foi novamente atacada porque “mui-
tas pessoas diziam que, por minha causa, o MAS
perdera apoiantes em El Alto”, diz. O gabinete da
presidente da câmara foi incendiado, bem como a
casa que Soledad Chapetón partilha com os pais.
Ela mudou-se para um gabinete temporário e a fa-
mília teve de separar-se para diferentes locais não
divulgados. Ela liga o telemóvel, mostrando as
ameaças que recebe regularmente no WhatsApp.
Soledad Chapetón “tem de pagar pelos seus peca-
dos”, diz uma delas. “Esta cabra está a fazer isto
tudo... vamos invadir o gabinete da presidente da
câmara, a maior parte das áreas, para as neutrali-
zar”, diz outra. “Queremos que ela se demita!”
Soledad Chapetón não planeia fazê-lo. “Nunca,
nem por um instante, tive dúvidas”, diz. “Eu sabia
que estava a agir correctamente.” j
Existem apenas 33 mulheres presidentes de
câmara nos 339 municípios da Bolívia, onze das
quais apresentaram queixas. As mulheres bolivia-
nas visadas ocupam cargos a todos os níveis do
poder, incluindo o Parlamento, e provêm de todo
o espectro político. O assédio não se restringe às
mulheres de determinada localização geográfica,
nem de nenhuma etnia em particular, num país
onde cerca de 48% da população é de origem indí-
gena. São apenas “mulheres que exercem o poder
político”, diz Bernarda.
Algumas presidentes de câmara, como Bertha
Eliana Quispe Tito, foram impedidas de entrar
nos seus locais de trabalho, fisicamente atacadas
e as suas famílias ameaçadas. Em 2015, Bertha ti-
nha 27 anos quando se tornou a primeira mulher
a presidir à Câmara de Collana, uma pequena vila
rural com cerca de cinco mil pessoas maiorita-
riamente do grupo indígena aymara. Membro do
partido MAS, diz que os seus problemas começa-
ram quando tomou a iniciativa de regular a indús-
tria local de mineração de calcário. Numa noite de
A violência contra as mulheres na política é tão dominante
na Bolívia que foi aprovada uma lei, em 2012, especificamente
para a combater.