National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

(Antfer) #1
ARTHUR
MADDOCKS

Decifrador britânico
“ACHO QUE eles pensaram
que, se eu entendia teoria
económica, também conseguiria
decifrar códigos”, resume Arthur
Maddocks, de 98 anos, um dos
melhores alunos da Universidade
de Oxford quando foi recrutado
pelos serviços secretos britânicos.
À semelhança de Betty Webb
(páginas 14-15), Arthur foi
destacado para Bletchley Park.
Puseram-no a decifrar o código
Lorenz, o sistema de mensagens
encriptadas utilizado por Hitler e
pelos seus generais mais
graduados. O Lorenz tinha duas
camadas de encriptação e milhões
de possibilidades de
descodificação. No entanto, perto
do final da guerra, Arthur e os
colegas (auxiliados pelo Colossus,
o primeiro computador digital de
grande escala do mundo) já
conseguiam ler as comunicações
entre os dirigentes nazis com
tanta antecedência que a rendição
da Alemanha em Maio de 1945 foi
uma espécie de anticlímax, conta
Arthur. “Nós já sabíamos que a
guerra terminara.” — Roff Smith

VALENTIN
SHORIN

Sobrevivente de Leninegrado
TINHA APENAS 5 ANOS
quando os nazis iniciaram a sua
campanha de quase novecentos
dias de cerco para submeter
Leninegrado pela fome e pela
acção de bombardeamentos. No
início, a mãe de Valentin Shorin
continuou a trabalhar, levando-o
até ao jardim de infância no
carrinho de bebé todos os dias.
Depois os bombardeamentos
começaram. Altifalantes instalados
nas ruas faziam soar o alarme
antiaéreo, seguido de um som
sibilante e do estrondo dos
edifícios a desmoronarem-se. Mãe
e filho passavam constantemente
fome, “mas eu descobri mais tarde
que ela dava-me também as suas
rações”, conta Valentin, hoje com
83 anos. Por fim, a mãe ficou
demasiado fraca para andar. Ele
lembra-se de ver a tia puxar com
a mão um trenó de madeira
coberto de andrajos, com a mãe
no interior, empurrando o carrinho
dele com a outra. Chegaram ao
jardim de infância. “Olhei para a
minha mãe e ainda hoje me dói
pensar nisso. Ela tinha lágrimas
enormes a correr-lhe pelo rosto,
como rios, e eu senti na minha
alma que era a última vez que a
via.” Valentin mordeu a tia para
fugir, mas a mãe levantou-lhe a
voz: “Valya, vai, vai. Eu vou ficar
melhor e depois venho buscar-te.”
Em vez disso, “o meu jardim de
infância tornou-se o meu primeiro
orfanato”. — Eve Conant

IGOR MORSHTEIN
E VALENTINA
LUKIANOVA


Veteranos soviéticos


AS SUAS VIDAS foram
entrelaçadas pela guerra, pelo
cerco de Leninegrado e por 40
anos de amizade, trabalhando na
mesma fábrica. Mas o amor só
floresceu depois de ambos
enviuvarem. Valentina foi criada
em orfanatos. A mãe de Igor
morreu ao tentar fugir da cidade,
devastada pela fome. Um dia, Igor
e alguns rapazes ouviram uma
criança chorar. “Fomos espreitar”,
recorda. “Encontrámos um bebé
de um ano a tentar mamar na sua
mãe, que jazia morta a seu lado.”
Esse “foi o início das nossas
missões. Andávamos de porta em
porta, em busca de crianças que
tivessem ficado órfãs”.
Organizámos um local de
recolha e os bebés recebiam o
apelido da criança que os encontra-
va. “Nem sequer pensávamos em
procurar documentos de
identificação”, conta Igor, de 92
anos. “Éramos rapazes, com 12 a 14
anos. Sentíamos que era o dever.”
Quando atingiram a idade para
combater, “estávamos desnutridos
e nem força tínhamos para pegar
nas armas”. O exército alimentou-
-os e, por fim, ele contribuiu para
libertar Leninegrado do
estrangulamento nazi. Há quatro
anos, recebeu um telefonema de
uma comissão de veteranos. Havia
uma mulher à procura dele. “Fora
ele que a encontrara, durante o
cerco, e a conduzira ao local de
recolha dos bebés.” Ela recebera o
seunome.—EveConant


28 NATIONAL GEOGRAPHIC

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