Estado de Minas (2020-06-04)

(Antfer) #1
CULTURA
4

MariaAliceVergueiro se despededa vida artística, aos 85 anos,vítima de pneumonia.


Atriz, famosa porTapanapantera,c onstruiuseu legado no teatro, onde desejava morrer


❚LUTO


Onomepodiaserdequatro-
centona, massuaverdadeiravoca-
çãoeraaliberdade,queencontrou
nospalcos.ApaulistanaMaria Ali-
ce MonteirodeCamposVerguei-
ro,maisconhecidaporMaria Ali-
ce Vergueiro,morreu,aos85 anos,
emSãoPaulo,naquarta-feira(3),
deixandoumlegadopreciosonos
palcoseforadeles.Aatriz estava
internadanoHospitaldasClínicas
paratratamento depneumonia,e
seucorposerácremadonesta
quinta (4),emItapecericadaSer-
ra,segundoinformousuafilha
Maria Silvia.
Pedagoga, professora,atrizedi-
retora,Maria Aliceformoualunos
comoCacáRosset,comquem
fundouoirreverente GrupoOrni-
torrinco(aoladodoator,jáfaleci-
do,LuizRobertoGalizia),partici-
poudemontagenshistóricas,co-
moOreidavela,dirigidaporJosé
CelsoMartinezCorrêa,epodeser
definidacomoamaioratrizexpe-
rimentaldesuageração,nosenti-
dodeestarsempreabertaanovos
autoreselinguagens.
Foiintérprete de clássicos
(Shakespeare,Molière),modernos
(Brecht, GarcíaLorca)econtempo-
râneos(Jodorowsky)comamesma
paixão,amesmadedicaçãocom
queentrounoteatropelaprimei-
ra vez, em1962,paraparticiparde
umamontagemdeAmandrágo-
ra,sobdireçãodeAugustoBoal.
Emmais de meioséculode tea-
tro,MariaAlicetrabalhoucom
grandesdiretores,alémdosnomes
já citados,deGeraldThomas aFe-
lipeHirsch,contracenoucomos
melhoresatoresbrasileiros(Paulo
Autran,entreeles),masissonãoa
transformouemdiva.
Antes,gostavadese atirarem
novas experiênciasaoladodega-
rotosegarotasdegeraçõesmais
novas,sempretestandoos limites
daplateia–e,por quenãodizer,os
próprioslimites,mesmoqueisso
significassetrairumclássico.Daí
serchamadade"musadounder-
ground”oude"velhadamaindig-
na", títuloslimitadoresquenãofa-
zemjustiçaaoenormetalento e
vozeirãodaatriz.
Exemploda radicalidadede Ma-
riaAliceVergueirofoioespetáculo
emqueencenouopróprio velório,
Whythehorse?(2015).Aatriz enca-
rouaprópria morteao ladodoator
queaacompanhouemtodosos úl-
timosespetáculos,LucianoChirol-
li. Já limitadapelassequelasdomal
de Parkinsonenumacadeirade ro-
das,Maria Alice,em2015,queria
morrernopalco,mas nãofoiaten-
dida.Apeçachegouamaisde 100
apresentações,cumprindouma
temporadaque,emdoisanos,ocu-
poudiversassalas.Whythehorse?,
nãoporacaso,faziareferênciasa
BrechteJodorowsky,doisautores
comos quaisaatriz éautomatica-
mente associada.
SeuprimeiroBrechtfoi aÓpe-
radostrêsvinténs,montadaem
196 4, doisanosapósaestreiada
atrizenaalvoradadogolpe militar.
Peçamusicalde BrechteKurtWei-
ll, queestreouemBerlimem1931,
adaptadadoclássicodeJohnGay,
elamostravaosubmundodocri-
meedaprostituiçãocomouma
parábolapolítica,oquelevouore-
gimenazistaatiraroespetáculo


decartaz.Imaginenaépocadadi-
taduraafilhadeNicolauPereirade
CamposVergueiroNetoedeMa-
riaAntôniaBorges,pentanetado
senadorVergueiro,umdosmais
poderosospolíticosdoImpério do
Brasil,desfilandonumapeçade
Brechtemqueoprotagonistaé
MackieMesser,umvigaristaque
exploraprostitutaseensinaoutro
bandido, Peachum,seuinimigo,a
aperfeiçoaraartedecomandar
umaganguedemendigospedin-
tes.Foi, claro,umescândalonafa-
mília.Arupturafoiinevitável.
Maria Alicepreferiu serfielao
teatro.Nos 10 anosseguintes,sem-
preatuandosobdireçãodeJosé
CelsoMartinezCorrêa,fezoutras
peçasde Brecht–issoemplenavi-
gência doregimemilitar.Em1975,
participouda históricamontagem
deGalileuGalileinoOficina, onde

nasceuogrupoOrnitorrinco,can-
tando,claro,músicasdeBrechte
Weill (em1977).Nessemesmoano,
aembrionária companhiacon-
quistouos críticoscomumapeça
ousadaadaptadadeAmaisforte,
deStrindberg,quevirouOsmais
fortesnaversãodeCacáRosset,di-
retorcomqueMaria Alicemais tra-
balhoudepoisquefundaramjun-
tosoOrnitorrinco,viajandopara
váriospaísescomacompanhiae
participandodefestivais impor-
tantes,comooNewYork Shakes-
peareFestival, aconvitedoprodu-
torJosephPapp(deAChorusLine).

FENÔMENODE MASSACom
Rosset,aatriz foiamulherabando-
nadapeloamante emObeloindi-
ferente,deJeanCocteau,em1983,
logoapósotremendosucessode
MahagonnySongspiel,encenada

(ETERNA)


REPERCUSSÃO


nomesmoanopelogrupoOrni-
torrinco,tãoultrajante queade-
tentoradosdireitosdocompositor
Kurt Weill emNovaYorklogoen-
troucomumaaçãoparaencerrar
atemporadanacidade.Aparceria
comRossetiria até1998,quandoo
diretormontouOavarento,de
Molière.Nosanos1980,elatentou
outroscaminhos:fezElectracom
Creta,dirigidaporGeraldThomas,
em1986,mesmoanoemqueen-
trouemcontato comouniverso
deBeckett,dirigidaporRubens
Rusche.Foiumaepifaniaparaela.
Beckett eseu universooclusivo,em
Katastrophé,fizeramMaria Alice
optarporumteatroaindamais ra-
dical,semcompromissocomo
êxitopopular.
Adespeitodisso,nãorecusou
papéisemnovelasde televisão(fez
Lucréciaem Sassaricando,em

“Maria AliceVergueirofoi umaatriz
que deixou amarca da
independênciaeliberdadenos
palcos. Semprealegremente
indignada,agoradescansa.”

SERGINHOGROISMAN,
APRESENTADOR

“Maria AliceVergueiro, obrigado!
Umaoperáriado teatro. Obrigado
por tudo,pela coragem,pela
ousadia,pelotalento.Oteatro
agradece,nós agradecemose
sentiremosasua falta. Salve, Maria
AliceVergueiro!”

ARMANDOBABAIOFF,ATOR

“Maria AliceVergueirosefoi. Pra
quemnãosabe,oTapanapanteraé
dos cineastas Esmir Filho eRafa
Gomes.Umsopronacaretice.Isso
em 2006.Masantes,em2003,Esmir
(meuirmão)fezseu primeirocurta-
metragemcomela:Ato2cena 5 .A
vidaébreve,mas intensa.Viva Alice!”

SARAHOLIVEIRA,APRESENTADORA

“Maria AliceVergueiroser a‘mulher
doTapanapantera’éoequivalente a
Araci de Almeidaser ‘a jurada do
SilvioSantos’”

ALEXANDRENERO, ATOR

“Sefoi MariaAliceVergueiro. Atriz
intensa,imensa!Oteatroperde, mas
omundoperde maisefica mais
careta. Descanseem paz.Faça
bagunçano além!Merda!”

PAULABRAUN,ATRIZ

“Maria AliceVergueiro, ai de nós,me
morre. Beijo,flor.”

LAERTE COUTINHO, CARTUNISTA

1987 ,comPauloAutran)epartici-
poude váriosfilmes(Cronicamen-
teinviável,em2000,de SérgioBian-
chi,entreoutros).Paradoxalmen-
te, depoisde umacarreiracomoes-
sa,foiumcurtaveiculadonoYou-
Tubequeatransformounumfe-
nômenode massa,Tapanapante-

ra,emqueinterpreta umamulher
quefumamaconhahámaisde 30
anoseencerraseudepoimento
comumaobservação:“E nuncafi-
queiviciada”.Essehumorerabem
típicode Maria Alice.Aindaépossí-
velouvir suasonoraeadorável gar-
galhadaecoandonomundo.(AE)

Carolina SplendoreeMaria AliceVergueironapeçaWhythehorse?,emque aatriz encenou aprópriamorte

ANDRESTEFANO/DIVULGAÇÃO

Tapanapantera
fezaatrizficar
conhecida.
Nocurta,ela
interpretaa
mulherque
fumamaconha
há30anosediz
nãos er viciada

YOUTUBE/REPRODUÇÃO

FIDELIDADE


AOSPALCOS


FERNANDAGOMES*

Inquietações,
dúvidas, an-
gústias,medos
eaprendiza-
dosdeatores
de teatro,apre-
sentados ao
público com
poemas deAnaMartinsMarques,
PauloHenriquesBritto,AlbertoPu-
cheu,MarceloMontenegro,Dimi-
triBReFabrício Corsaletti.Essaéa
fórmuladofilme-ensaioÉramos
embando,doGrupoGalpão.
“A choqueessefilmeésobre
reinvençãoesobreapoesiapossí-
velnos diasde hoje”,comenta Mar-
celoCastro,quedirigiuoprojeto
emparceria comPabloLobato eVi-
níciusdeSouza.
Éramosembandoseráexibido

pelaprimeiraveznestaquinta-fei-
ra (4)eficaráemcartazatédomin-
go(8),comopartedoprojetoCir-
cuitoemCasa,da FundaçãoMuni-
cipalde Cultura.As exibiçõesserão
sempreàs 20h,peloYouTube(ca-
nalfmc),Facebook(circuitomunici-
paldeculturabh)eInstagram(cir-
cuitomunicipaldecultura).

CURITIBAComapandemiadoco-
ronavírus,oGalpãocancelouaes-
treiadapeçaQuerverescuta,que
ocorreria emabril, durante oFesti-
valdeTeatrodeCuritiba.Comos
encontrospresenciaisimpossibili-
tados,ogrupodecidiucontinuar
comos ensaiosdoespetáculopela
plataformaon-lineZoom.“Estáva-
mosnosencontrandosemsabero
quepoderia gerar.Durante esses
encontros,percebiquetinhaalgo
acontecendoali.Aquilojáera um

registrohistórico,issoqueestava
acontecendotalveznuncamais iria
se repetircomtanta novidadee
frescordentrodessasituaçãoeten-
doquese reinventar.Apartirdaí,
percebiquedessapotência surgia
umfilme”,revelaMarceloCastro
sobreÉramosembando.
Asmais de 15 horasdefilma-
gensdosensaiosforamtransfor-
madasemumfilmede 60 minu-
tos,queconta comaparticipação
dosatoresAntonioEdson,Eduardo
Moreira,InêsPeixoto,JúlioMaciel,
LydiaDelPicchia,PauloAndrée
TeudaBara.
“Agente já tinhaodesejode
continuar(trabalhando)ederegis-
trarestemomento,queéhistórico
eúnico:umapandemiaqueestá
afligindoatodoseafetanossodi-
reitodeir evir.Essefilmeéaopor-
tunidadedemostrarparaopúbli-

co todooprocessoqueestamosvi-
vendo”,contaEduardoMoreira,
umdosfundadoresdoGalpão.Pa-
ra oator,ofilmetemumapulsação
inquietante. “Nosfazpensar,éuma
reflexãosobreestemomento que
estamosvivendo,ospossíveisca-
minhosda arteedoteatro.Ecomo
vamosconseguirounãodaravol-
ta porcima.”
Mesmoacostumadoadirigir
peças,esendoesseoprimeirofil-
meoqualdirige,MarceloMarce-
lo Castroconta quenãoencon-
troumuitasdiferençasentreos
doisuniversos.“Temumacoisa
queligatodasas artes,odesejo
decriação.Enquantoestavafa-
zendo,eunãopensavanasdife-
renças,masnodesejodecriaral-
gopotente.”
*Estagiáriasob supervisãoda
subeditoraTetê Monteiro

Galpãoe streiaÉramos em bando


Derivado da peçaQuerverescuta,que estrearia em abril,
ofilme-ensaioÉramosembandomostrainquietaçõesde atores na
pandemiaeserá exibido nesta quinta, noYouTube

FILME-ENSAIO


ANDRÉBAUMECKER/DIVULGAÇÃO
Free download pdf