Crusoé - Edição 112 (2020-06-19)

(Antfer) #1

globalização e trazendo as cadeias de
suprimentos para dentro das
fronteiras. Em algumas áreas, porém,
não haverá impacto algum. No Brasil,
há algumas áreas de favelas onde não
há qualquer presença do governo. A
mesma coisa vale para o México e
para os países pobres. A minha
preocupação é a de que alguns
estratos da população se sintam mais
abandonados, como se vivessem em
uma área onde ninguém pode entrar.
Essas pessoas se darão conta de que
não há governos eficientes
trabalhando a seu favor, ao mesmo
tempo que os governos estarão se
fortalecendo.


Haverá mais protestos?
Com certeza. Apesar de termos
um mercado otimista nos últimos dez
anos, a desigualdade tem crescido
muito. Além disso, teremos uma
contração maciça das economias.
Nos Estados Unidos, a queda pode ser
entre 6% a 8%. No resto do mundo,
de 5%. Os mais impactados serão os
mais pobres e a classe média. Essas
pessoas perderão seus empregos e
ficarão mais vulneráveis a doenças,
como a Covid-19. Aquelas que
mantiverem seus postos terão de
trabalhar de casa. Tudo isso deixará
as pessoas com raiva e mais
propensas a se manifestar nas ruas.
Nos Estados Unidos, onde protestos
têm ocorrido com frequência, tivemos
uma combinação de fatores. O
racismo não é algo novo no país. O
que tivemos agora foi que a isso se
somou um desemprego na casa dos
dois dígitos, mais de 110 mil pessoas
mortas pelo coronavírus e muita gente
angustiada por ficar meses sem sair
de casa. Essas coisas deixaram
muitos americanos furiosos. O
mesmo fenômeno poderemos


observar no Brasil e em outros lugares
da América Latina e do mundo.

Como as democracias serão
afetadas?
Se ocorrer uma revolução no
mundo nos próximos meses,
certamente não será nos Estados
Unidos. Muitos americanos estão
preocupados com as eleições. Acham
que o processo é manipulado, que
Trump vai tentar roubar e que, se ele
perder, não sairá da Casa Branca ou
recorrerá aos tribunais. Mesmo que
tenhamos algumas dessas coisas, os
Estados Unidos são um país com um
Judiciário independente. Os militares
são leais à Constituição, não ao
presidente. A mesma observação vale
para o Brasil. Li nos últimos dias
algumas matérias nos jornais Financial
Times e New York Times dizendo que
pode ocorrer um golpe militar no
Brasil. Não acredito nisso. O
presidente Jair Bolsonaro fala um
monte de frases estúpidas que acabam
virando manchetes nos jornais. Ele fez
uma caminhada inesperada até o
Supremo Tribunal Federal e não
parece muito simpático à democracia
em seus discursos. Mas as
autoridades militares do Brasil não
apoiarão uma tentativa de subverter
a democracia. Os generais ficarão ao
lado das instituições democráticas, do
Congresso e dos partidos políticos.
Quando Bolsonaro tentou impedir a
publicação de números sobre o
coronavírus, o STF reverteu a
decisão. O Brasil pode ser uma
democracia mais nova que os Estados
Unidos e ter instituições mais fracas,
mas ainda assim elas são
suficientemente fortes para resistir a
uma tentativa desse tipo.

Quais democracias podem não

resistir?
O Líbano é um caso preocupante.
O governo está enfrentando uma
pressão muito forte, está muito
fragilizado. Eles terão problemas em
obter apoio do Fundo Monetário
Internacional ou de nações do Golfo.
O país poderá entrar em colapso. Mas,
quando estudamos a maioria das
democracias do mundo, vemos que
elas estão mais enraizadas e
estabilizadas do que se imagina. Isso
é uma boa notícia e uma má notícia.
É boa porque não haverá muitas
revoluções. É má porque, com isso,
os líderes políticos não serão
incentivados a fazer reformas.

Teria algum exemplo?
Trump foi eleito nos Estados
Unidos porque as pessoas estavam
insatisfeitas. Elas diziam que o sistema
estava quebrado e funcionava contra
elas, beneficiando uma elite. Trump
deu voz a esse sentimento e prometeu
drenar o pântano em Washington.
Depois de eleito, contudo, ele montou
um gabinete com um punhado de
bilionários e executivos que querem
manter o sistema. Ele não está
fazendo muita coisa pela classe média
e trabalhadora que o elegeu.

E no Brasil, acredita que Jair
Bolsonaro sofrerá impeachment?
Na Eurasia, acreditamos que a
chance de isso acontecer é de 25%.
Os congressistas tendem a refutar
uma solução como essa quando a
popularidade do presidente é alta. E o
apoio da população a Bolsonaro
continua muito elevado (em torno de
30%). Para que o impeachment de um
presidente brasileiro se torne muito
provável, é preciso que a sua
aprovação esteja abaixo de 15%. É
como nos Estados Unidos. Na minha
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