JornalValor--- Página 4 da edição"22/06/20201a CADB" ---- Impressa por LGerardi às 21/06/2020@18:32:
B4|Valor|Sábado,domingoe segunda-feira, 20, 21 e 22 de junhode 2020
Especial|Sustentabilidade
Artigo
Ascrisessãorecorrentesnahis-
tória da humanidade. Elas vêm e
vão, com maior ou menor poten-
cial de impacto socioeconômico,
dependendodasua força ecapi-
laridade e da nossa resiliência. A
atual crise sanitária global é, sem
dúvida, um caso extremo, que
nosexigereaçõesrápidasesolu-
çõesemergenciaisparagarantira
nossasobrevivência.
Aindanão épossívelmensurar
com precisãoconsequênciasglo-
bais da pandemia,nem sociais,
nemeconômicas.Masjá sabe-
mos que serãodevastadoras.No
Brasil, país com um tecidosocial
absolutamente despreparado
para enfrentar crise sanitária
com tal dimensão,os efeitospo-
demsercatastróficos.
Embora ainda hajaforte pres-
são por resultados financeiros,o
setor empresarial já tem apresen-
tado sinais de que está despertan-
do para o que a ciência vem aler-
tando há anos: há total intercone-
xão entre o bem-estar dos negó-
cios,dasfinançasedoplaneta.
Os própriosinvestidores co-
meçama se mexernestesentido,
sinalizandoque oresultadoeco-
nômico a qualquer custopode,
no médioe longoprazo, com-
prometer a sobrevivência das
empresas. Nestemundoem cres-
centeinterconexão,onde alicen-
çaparaumaempresaoperarvem
não apenasdos acionistas, mas
de todasas partesinteressadas,
alémdas variáveis de retornoe
risco, a tomadade decisão desses
financiadoresé cadavez maisin-
fluenciadapeloimpactosocial,
ambientale de governança de
umnegócio.
Por ter força erepresentativida-
de na estratégia das empresas, es-
Um plano de recuperação verde para o Brasil
Empresasjá
identificama
interconexão
entreo
bem-estardos
negócios,das
finançasedo
planeta.Por
MarinaGrossi
ses investidores têm papeldeter-
minante parainfluenciar ereo-
rientar o “core business”para um
modelo mais sustentável. Um
exemplo emblemático está no po-
sicionamentolançadonoiníciodo
ano pelo executivoLarry Fink,pre-
sidentedaBlackRock,maiorgesto-
ra de fundosde investimento no
mundo,que disse que ‘a sustenta-
bilidadeeasmudanças climáticas
estãoremodelando as finançase
osinvestimentos’.
De fato, estãomudando, mas
nãonoritmoeescalanecessários
paracumprirmosasmetasquenos
impusemosaté2030:reduzirdras-
ticamenteas emissões líquidas no
mundo,atender comsaneamento
básicotoda a população do plane-
ta, garantireducação para todos,e
eliminaramiséria.Háumsensode
urgência enorme nesse processo
demudançadosmodelosdenegó-
ciosaté2030.
Algunsexecutivosjá percebe-
ram que avariável do impacto
ambiental,sociale de governan-
çatempeso estratégicoeemitem
sinaisfortespara o Brasil,princi-
palmente, vindosda Comunida-
de Europeia.Em maio, um grupo
de 40 empresasde varejo einves-
tidoresinternacionais que tem
negócios com parceirosbrasilei-
rosenviouumacartaaoCongres-
so Nacionalmanifestandopreo-
cupaçãocomoimpacto,naAma-
zônia,do projeto de lei 2633so-
bre regularização fundiária. A
mensagemalertava que isso co-
locaráemriscoacapacidadedes-
sas organizações de continuara
comprardo Brasilno futuro. Si-
nalizaçõesde investidores sobre
anecessidadede cumprimento
de um novopadrãono processo
de produçãoque atendaàsexi-
gências do mercadoserãocada
vezmaisfrequentes.
Melhorespráticasambientais,
sociaisede governança(ESG,na
siglaeminglês)ganhamcadavez
maisatratividadeporestaremas-
sociadas a negóciosmaissólidos
ecom menorcustode capital.
Existem hoje no mundomais de
1,2 mil empresas, governos, ban-
cos centraise outrasinstituições
aderentes às recomendações em
pilaresde governança,estraté-
gia, riscoclimáticoetransparên-
cia de dadoseinformaçõesda
empresa. Essapautacrescena
agendado setorfinanceiro, dos
grandes investidoresglobais,e,
claro,tambémnoBrasil.
Afinal,essa pautatem peso es-
Háumsensode
urgênciaenorme
nesseprocessode
mudançados
modelos denegócios
até 20 30
ou de governança —aocréditoe
pacotesde retomada, épossível
estimularatransição paraum
modelodenegóciosmaissusten-
táveleinclusivo.
Evidentemente, há neste mo-
mento nas empresas preocupação
genuína eimediata comliquideze
contingências,alémdasincertezas
sobrearetomadapós-pandemia.
Porém,épreciso nãoperderofoco
e garantirque possamos aprovei-
tar a oportunidade paraconstruir
a transição parauma nova econo-
mia,comabordagens diferentes
notrabalho,nasrelaçõescomoca-
pital, energia, água econsumo. O
princípio-base prevê pensaros fu-
turospossíveis, sistêmicose com
propósitos, em uma economiade
escala e amparo a todosos elosda
cadeia produtiva. Não perder o fo-
co e, maisque isso, ajustá-lo em
umanovarota.
MarinaGrossié presidentedo
ConselhoEmpresarialBrasileiro para
o Desenvolvimento Sustentável
(CEBDS)
Te rminaldasBandeiras,umdosmaismovimentadosdeSãoPaulo,durantea quarentena:retomada abre possibilidades para umanovaagendaeconômica
DANIELLINGUITE/VALOR
tratégicoinclusivepara aagenda
de crescimentode um país. Rela-
tório publicadopela Universida-
de de Oxfordapontouque o de-
sempenhoambiental,socialede
governançadas empresaspode
melhoraro crescimentoeconô-
micodos paísesondeoperam.A
pesquisamostrauma correlação
positiva significativa entreode-
sempenho médiodas empresas
em indicadores ESG, a melhoria
do PIB per capita e areduçãono
desempregoemseuspaíses.
A conclusãode que a promo-
ção de boas práticasESG no setor
privado é umamaneira impor-
tantepela qualos formuladores
de políticaspúblicaspodem ace-
leraro desenvolvimento econô-
micotemumdiferencialparticu-
lar neste momento, uma vez que
os governos planejam liberar
grandesvolumesde recursos—o
G20prevêa injeçãoglobalde
US$ 5trilhões—para recuperar
as economias, resgatarempresas
esalvarsetores atingidos pela
pandemia.Ao associaralibera-
ção de recursos acritérios de go-
vernançaede impactosocioam-
bientais,será possível gerarde-
mandaparanegócios maisresi-
lientes,eassimcriarcondições
para um desenvolvimentode
qualidade, capazde enfrentar,
em outropatamar,os grandes
desafiosdoséculoXXI.
Algunspaísesjá demonstram
engajamento coma agendada
recuperação verde. Líderes do
Reino Unido, União Europeia,
Nova Zelândiaeoutrospaísesse
comprometerama tornara ação
climática, por exemplo, uma
questão-chave em seuspacotes
de recuperação econômica. No
Canadá, o primeiro-ministroJus-
tin Trudeaudeterminou que as
grandes empresasque recebe-
ram empréstimosdivulgassem
seusplanosambientais.
Emboraaindaseja necessário
observar os efeitos concretos
dessasmedidas, são iniciativas
que podemservirde inspiração
paraoBrasil. Ao vincularcondi-
cionalidades —social,ambiental
Mercado de capitais começa a valorizar economia limpa
SergioAdeodato
Para o Valor, de São Paulo
O financiamento da retomada
da economia dentro de novos
padrões ambientais esociais
tem sido pontode preocupação
paraquemacreditana criseda
covid-19comodivisorde águas
na rota de um mundo diferente.
Osensode urgência esbarrano
endividamento público eno
choque ao caixadas empresas,
desligadasda tomada.Mas,na
visãode AnneliseVendramini,
pesquisadora do Centrode Estu-
dos em Sustentabilidade, da
FundaçãoGetulioVargas (FGV),
um fatorsinalizao envolvimen-
to da sociedade no desafio: “a
tendênciade maiorparticipação
de pessoasfísicas no mercadode
ações, com potencialde carregar
junto apauta socioambiental
expressanas decisõessobreos
papéis a comprar”.
Em julhode 2019,existiam 1
milhãodeCPFscomnegóciosem
rendavariável, quantidade que
dobrou para2milhõesem abril
de 2020,antesda pandemia, se-
gundo dados da empresa B3.
“Sãoinvestidores de perfilmais
jovemepaciente, que priorizam
aboagestão—inclusiveasusten-
tabilidade—comoentregadeva-
lor econômicode longoprazo às
empresas”, analisaVendramini,
aolembrarque“o dinheirotende
asermuitoeloquente”.
Adisponibilidade de recursos
à nova economia, diz a pesquisa-
doraem finançassustentáveis,
dependedeumambientefavorá-
vel aos negócios em geral—sem
barreiras,comofalta de transpa-
rência e insegurançajurídicae
regulatória. “Assim,o verdevirá
junto, pois o mundojá está dire-
cionado a isso”, prevê.O setor fi-
nanceiro avançava no temaantes
da covid-19,ea gora aexposição
das empresasse tornamais níti-
da. Comodiz o megainvestidor
americanoWarren Buffet,afirma
Vendramini,“vocêsó descobre
quem está nadando pelado
quandoamarébaixa”.
Os impactos da pandemiase
somamaos prejuízosdevidoà
destruiçãoda natureza,estima-
dos peloWWFem US$ 480 bi-
lhões por ano até 2050, no mun-
do.“Quemadotapráticassusten-
táveis tem maischancesde pro-
tagonismona retomada”, analisa
Lauro Marins, diretordo CDP na
América Latina,lembrandoque,
em janeiro, o FórumEconômico
Mundial já havia sinalizadoa mi-
gração do capitalparaa econo-
mialimpa.
Ao juntaros cacosda crise,a
UniãoEuropeiaanunciou€1,
trilhão parainvestimentosguia-
dos pelo baixo carbonoaté 2027,
com ênfasena energiarenovável,
agronegóciosustentável, eficiên-
cia na construçãocivil etrans-
porte, redesinteligentes, econo-
mia circular erestauração ecoló-
gica. Estima-seque soluçõestec-
nológicasbaseadasna natureza
possam entregar até 30% dos es-
forçosdemitigaçãoclimática.
“A pandemiaobriga pensarfo-
radacaixaemformatosdefinan-
ciamento eestamosacelerando
açõesparaincorporarasustenta-
bilidadedesdeoiníciodosproje-
tos”, revelaPetrônioCançado, di-
retordecréditoegarantiadoBN-
DES.Um exemplo, segundo ele,
se traduzna iniciativa de esver-
dearas “debênturesincentiva-
das”, mecanismo de investimen-
to que até abrilmovimentou R$
3,1 bilhõescomisenção de im-
posto de rendae, em junho, pas-
sou a se aplicaràinfraestrutura
sustentável.
LucianoGurgel, diretor da Yu-
nus Negócios SociaisBrasil, é ta-
xativo: “As formas de decidirso-
bre investimentonos levaramao
lugar ondeestamos”.Segundo
ele, cabeagorarepensar mode-
los, somandoo conceitode im-
pacto à noçãode riscoe retorno
financeiro,para não repetiroan-
tigo padrão —oque, comotem
falado oeconomista Muham-
mad Yunus, PrêmioNobelda Paz
de 2006,significaria “rotade sui-
cídio”.Odesafio, na análise de
Gurgel, incluioacessoa crédito
simplificado paraformaruma
rededeproteçãosocialcontrafu-
turascrises.
“Nãoadianta doarcertoein-
vestir errado”, ressaltaLeonardo
Letelier,diretor da Sitawi —ges-
tora de fundos comexpressiva
demandana pandemia.Caiu a fi-
cha para o valordos negóciosde
impactoambientalesocial,cujos
investimentos dobram a cada
ano e, em 2019, mobilizouUS$
500 bilhões no mundo. “Sofrerá
menosquemtivermaiorrelevân-
ciasocial”,afirmaLetelier.
“Nunca vi otema ser tão falado
por diferentes atores”, diz Sônia
Favaretto,presidente do conselho
da Global Reporting Initiative
(GRI)noBrasil,paraquem“acapa-
cidadederespostadasliderançasé
essencial e atransparência se tor-
nou um imperativo”. O que antes
se via como nicho ganha o espaço
principal, porque “a natureza da
crise mexe com o comportamento
doconsumidoreinvestidores”.Ex-
põe fragilidades do sistema so-
cioeconômicoefaz repensar as re-
laçõescomerciais.
No entanto, paraPaulo Bran-
co, diretordo InstitutoFrontei-
ras do Desenvolvimento, “persis-
te o desafiode levara agendada
sustentabilidade paraadimen-
são política,sem aqual aescala
da transformação se tornalimi-
tada”.SuzanaKahn,professora
da Coppe,na Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro, concorda:
“Se apressãopúblicaesfriar,a
ondapassaeasoportunidades
de avançarna economia verdee
saneamento básico, por exem-
plo, podemnão ser aproveita-
das”, afirma.
Abioeconomia édiscutidaco-
mo novoeixo de desenvolvimen-
to. “Nãoé possívelpensarem re-
tomadasustentável, sem reduzir
o desmatamento”, observaAn-
dré Guimarães, diretorexecutivo
doInstitutodePesquisaAmbien-
tal da Amazônia(Ipam) e repre-
sentanteda CoalizãoBrasilCli-
ma, FlorestaseAgricultura. Além
de capturarcarbono, aFloresta
Amazônicairrigacomchuvaso
agronegóciobrasileiro,que re-
presentaum terçoda economia
nacionale alimentadiariamente
1,2 bilhãode pessoasno mundo,
segundo Guimarães. “O Brasil
tem tecnologia para produzir
sem desmataredeveria puxara
fila desseprocessoparamostrar
quepodemosfazerdiferente.”
AnneliseVendramini,daFGV: investidoresdeperfilmaisjovem priorizama boagestão,inclusive a sustentabilidade
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