O Estado de São Paulo (2020-06-24)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 24 DE JUNHO DE 2020 Economia B


LEILÕES DIÁRIOS DE VEÍCULOS

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Live. Debate foi promovido ontem pela Febraban na CIAB, feira de tecnologia bancária

Aline Bronzati
André Ítalo


A preocupação com a forma
como o governo brasileiro
tem administrado a questão
ambiental ganhou espaço on-
tem durante debate que reu-
niu os principais banqueiros
do País, incluindo os presi-
dentes do Itaú Unibanco e do
Bradesco. Questões como o
aumento do número de quei-
madas na Amazônia entra-
ram na pauta do encontro,
que a princípio trataria de tec-
nologia bancária. A iniciativa
dos banqueiros ocorre em
meio à repercussão do assun-
to junto a investidores estran-
geiros, que ameaçam deixar
de investir no Brasil, enquan-
to o presidente Jair Bolsona-
ro diz ver apenas “desinfor-
mação” sobre o seu governo.
“No momento em que a socie-
dade se percebe frágil, a gente
deve olhar para outros perigos.
As consequências ambientais
podem até vir de uma maneira
mais lenta do que as da saúde,
como a covid-19, mas são mais
duradouras e difíceis de rever-
ter”, afirmou o presidente do
Itaú Unibanco, Candido Bra-
cher, durante debate no CIAB
(feira de tecnologia bancária),
promovido pela Federação Bra-
sileira de Bancos (Febraban).
Por conta da pandemia do novo
coronavírus, o evento neste
ano aconteceu de forma virtual.
Presidente do maior banco
da América Latina, com quase
R$ 2 trilhões em ativos totais,
Bracher alertou para o aumento
de incêndios na Amazônia no
início deste ano, enquanto o
Brasil tenta combater a propa-
gação do novo coronavírus – é o
terceiro país no mundo em mor-
tes por covid-19. “Estamos ven-
do neste início de ano incên-
dios 60% maiores do que foram
no ano passado, e nós precisa-
mos, enquanto sociedade, nos
mover contra isso”, disse ele,
acrescentando que os bancos
têm um “peso importantíssi-
mo” no tema.
“Todo mundo falava de sus-
tentabilidade, de problema
com o planeta, de aquecimento
global, reflorestamento, derru-
bada, de qualidade do ar, da
água. Todo mundo falava sobre
isso, mas, de fato, nós temos de
reconhecer que fizemos muito
pouco em relação a isso”, afir-
mou o presidente do Bradesco,
Octavio de Lazari.
Para o executivo, a pandemia
alertou o mundo sobre a manei-
ra como todos estavam vivendo
até então. “Parece que o planeta
deu um grito e falou: vocês têm
a chance de recuperar o que es-
tão fazendo”, disse Lazari.


Reação. As declarações foram
feitas no mesmo dia em que em-
baixadas do Brasil na Europa re-
ceberam uma carta assinada
por um grupo de 29 instituições


financeiras, com US$ 3,7 tri-
lhões em ativos totais. Nela,
ameaçam retirar seus recursos
do País caso o governo Bolsona-
ro não atue para conter o desma-
tamento na Amazônia (mais in-
formações nesta página). O docu-
mento, que ganhou espaço no
jornal britânico Financial Ti-
mes, encorpou um coro de críti-
cas às políticas ambientais do
governo brasileiro.
Bolsonaro credita o fato de a
imagem do País não estar “mui-
to boa” em relação à questão
ambiental por “desinforma-
ção”. “Nós sabemos que nossa
imagem não está muito boa aí
fora por desinformação”, afir-

mou ele na segunda-feira, acres-
centando que o Brasil é o país
que “mais preserva”. Ainda se-
gundo ele, as críticas têm parti-
do de países que não tem mais
“um palmo de mata ciliar”.

Sem opção. Para o presidente
do BTG Pactual, Roberto Sallou-
ti, a agenda ASG – sigla para
ações ambientais, sociais e de
governança – não é mais “opcio-
nal”. “É algo que, se não incor-
porarmos, os nossos clientes
vão escolher outros bancos, por-
que essa é uma demanda da so-
ciedade. Acho que como setor
temos muito que mostrar”, afir-
mou ele, durante debate com
outros banqueiros no CIAB.
Sallouti fez uma “provoca-
ção” aos demais presidentes de
bancos e defendeu uma ação co-
letiva. Segundo ele, o setor ban-
cário é o que mais tem agenda
ASG no País. Nesse sentido, su-
geriu aos bancos publicarem um
balanço consolidado das ações
ambientais, sociais e de gover-
nança. Bracher, do Itaú, concor-

dou com o concorrente e avaliou
como “importante” a iniciativa.
Algumas instituições finan-
ceiras no Brasil já publicam o
balanço ASG (ambiental, social

e governança). No entanto, co-
mo a iniciativa não é mandató-
ria, nem todas adotam a mesma
iniciativa. Ao Estadão/Broad-
cast, a Febraban informou que

os bancos estão revendo a nor-
ma de autorregulação e que es-
se ponto pode ser considerado
no âmbito dos compromissos
do setor bancário.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


ENTREVISTA


Célia Froufe
CORRESPONDENTE / LONDRES


Coletor das assinaturas de 30
instituições financeiras que
querem falar diretamente com
o governo brasileiro para que
seja mais enérgico em relação
às questões ligadas à produção
na Amazônia, Jan Erik Sauges-
tad, presidente executivo do
Storebrand Asset Manage-
ment, um grupo norueguês
que gerencia US$ 80 bilhões,
disse que além do aumento do
desmatamento, uma das maio-
res preocupações dos investi-
dores estrangeiros é em rela-
ção à aprovação do Projeto de
Lei 2.633/2020, conhecido co-


mo o “PL da grilagem”. “Forte-
mente insistimos ao governo
que não deixe esse projeto pas-
sar da forma como está”, afir-
mou ele em entrevista por ví-
deo ao Estadão/Broadcast.
Para o executivo, essa é a
parte que falta para os investi-
dores ficarem ainda mais reti-
centes com o Brasil. Ler abai-
xo a entrevista.

lPor que o sr. decidiu formar o
grupo e mandar a carta ao gover-
no brasileiro?
As instituições financeiras e
os investidores que se junta-
ram a nós estão profundamen-
te preocupados com o aumen-
to do desmatamento no Brasil

visto no ano passado. Traba-
lhamos com interesse de lon-
go prazo e, por isso, sabemos
que proteger as florestas tropi-
cais é importante não apenas
por causa da mudança climáti-
ca, mas porque temos de estar
apoiados em uma economia
sustentável.

lE a pandemia de covid-19 dei-
xou isso mais claro, eu imagino.
Uma recuperação sustentável
da economia pós-covid-19 in-
clui uma dimensão social, isso
é importante. Normalmente,
tendemos a nos engajar direta-
mente com as empresas, co-
mo o esforço feito no ano pas-
sado para combater o desma-

tamento com o apoio de mais
de 250 instituições financeiras
à iniciativa. Temos iniciativas
em andamento que cobrem a
produção de soja e gado. Mas
é o governo que faz as políti-
cas e o arcabouço regulatório
com as quais as companhias
trabalham. Então, para nós
que investimos em empresas,
também é importante que as
políticas sejam previsíveis e
alinhadas com o que acredita-
mos ser um desenvolvimento
sustentável. Desta vez, decidi-
mos não fazer isso de forma
indireta com as companhias,
mas, sim, de forma direta
num diálogo com o governo.

lO volume administrado por es-
ses fundos que assinam a carta é
de US$ 3,75 trilhões? Que parte
dele está alocada no Brasil?
Sobre o Brasil, adoraria ter
esse número, mas não tenho.
Até porque, desde que fize-

mos o anúncio, outros investi-
dores quiseram fazer parte
dele – e ainda está aberto – e
agora temos mais de US$ 4,
trilhões.

lAlgumas pessoas avaliam que
pode ser um blefe dos investido-
res dizerem que vão sair do Bra-
sil. O que o sr. diz?
Assim como escrevemos na
carta, gostaríamos de perma-
necer com os investimentos
no Brasil. É muito bem-vindo
o desenvolvimento econômi-
co, mas é preciso proteger o
meio ambiente. Não acredita-
mos que essas coisas sejam
excludentes, e temos um de-
ver fiduciário.

lO foco agora do investidor es-
trangeiro parece estar no ‘PL da
grilagem’, que está para ser vota-
do no Congresso. Se for aprova-
do, o risco de investidores estran-
geiros saírem do Brasil é maior?

Acho que esta é a parte que
falta no quebra-cabeças. Claro
que será muito negativo se
esse projeto passar porque le-
galiza a ocupação e encoraja
mais o desmatamento. Não há
dúvida de que isso será muito
negativo. E temos de ter a fo-
tografia completa para tomar
nossas decisões. Fortemente
insistimos ao governo que
não deixe esse projeto passar
da forma como está.

lA ministra da Agricultura, Tere-
sa Cristina, disse que é o Brasil
que solicita que a agricultura
mundial adote práticas de susten-
tabilidade.
Cada país tem de trabalhar
com suas questões e elas mu-
dam de um lugar para o outro.
Mas claramente no Brasil o
desmatamento é um ponto-
chave dado o fato de que a flo-
resta tropical é um elemento
importante para o mundo.

Questões como queimadas na Amazônia viram tema de debate que reuniu, entre outros, os presidentes do Itaú Unibanco e do Bradesco


l‘Consequências’

Jan Erik Saugestad, presidente executivo do grupo norueguês Storebrand Asset Management


‘Brasil não pode aprovar o PL


da grilagem da forma como está’


FEBRABAN

PARA LEMBRAR

Preocupação


é global


Em maio, supermercados
britânicos já alertaram o go-
verno brasileiro que pode-
riam boicotar produtos do
Brasil caso fosse aprovado
no Congresso um polêmico
projeto de lei de regulariza-
ção fundiária que, segundo
ambientalistas, pode permi-
tir a aceleração da destrui-
ção da Floresta Amazônica.
Mais de 40 empresas assi-
naram uma carta aberta pe-
dindo que os parlamentares
brasileiros rejeitassem a pro-
posta.
A carta diz que a lei “incen-
tivará a apropriação de ter-
ras e o desmatamento gene-
ralizado, colocando em ris-
co a sobrevivência da Ama-
zônia e o cumprimento das
metas do Acordo de Paris
sobre as mudanças climáti-
cas, além de prejudicar os
direitos das comunidades
indígenas e tradicionais”.
Grileiros há décadas rei-
vindicam terras públicas
sem sanções governamen-
tais na Região Amazônica,
muitas vezes abrindo áreas
de proteção para cultivar
soja ou gado para exporta-
ção. Já ambientalistas dizem
que o projeto efetivamente
recompensaria os especula-
dores fundiários pelo desma-
tamento conduzido no pas-
sado, ao mesmo tempo
abrindo precedentes para
novas ondas de desmata-
mento e assentamento em
terras públicas florestais.

Banqueiros falam em ‘perigo ambiental’


“As consequências
ambientais podem até vir
de uma maneira mais lenta,
mas são mais duradouras e
difíceis de reverter.”
Candido Bracher
PRESIDENTE DO ITAÚ UNIBANCO
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