OGRANDEMISTÉRIODOEVERESTE 25
Virei-me para Jamie McGuinness. “E então?
Achei que lhes tinhas falado sobre a busca.”
Ele encolheu os ombros. Mal conseguia falar
por causa de uma laringite. Disse que tinha efec-
tivamente discutido o plano, pelo menos com
parte da nossa equipa de apoio, em Katmandu.
Não havia como contornar o facto de estarmos
numa situação periclitante com a nossa equipa
de apoio, que totalizava 12 homens. E ninguém
tinha ilusões sobre a possibilidade de escalar-
mos a montanha sem eles. Como praticamente
todas as equipas, dependíamos do seu apoio e
a nossa expedição estaria condenada se eles se
fossem embora.
“Se escalarmos o cume, posso desviar-me da
rota estabelecida para procurar a fenda de Irvine
à ida ou no regresso?”, perguntei a Jamie.
“Será melhor no regresso”, respondeu-me.
Além disso, naquele sentido, o terreno apresen-
Numa das fotografias, detectei a fenda, mas
não consegui observar o interior. Estaria o corpo
de Irvine lá dentro? Estávamos a ficar sem tempo
para descobrir.
A primeira janela de oportunidade para alcan-
çar o cume abriu no dia 22 de Maio, enquanto
esperávamos no Acampamento-Base Avança-
do. Após duas viagens ao Colo Norte, encontrá-
vamo-nos agora completamente aclimatados,
prontos para partir para a zona de busca, no alto
da aresta nordeste. No entanto, estávamos lon-
ge de estar sozinhos na montanha. Mais de 450
pessoas preparavam-se para empreender a subi-
da pelo lado nepalês da montanha. Esperavam-
-se igualmente cerca de 200 ascensões do lado
chinês. Jamie olhou para esta multidão sedenta
de chegar ao cume e disse que aguardaríamos a
próxima janela de oportunidade.
Ao longo dos dias seguintes, nove pessoas per-
deram a vida no Evereste: sete na vertente sul e
duas na vertente norte (outras duas tinham mor-
rido uma semana antes na vertente sul, elevando
o total a 11). Nunca me esquecerei da sensação
de impotência de ver, através de um binóculo,
uma fila indiana com cerca de duas centenas de
alpinistas esperançosos dirigindo-se com difi-
culdade para o cume e de receber relatos pela rá-
dio sobre algumas das almas infelizes que nunca
regressariam para junto das suas famílias.
Na tarde de 23 de Maio, sentámo-nos com a
equipa de apoio de escalada para discutir a logís-
tica da busca. Jamie assegurara-nos que a equi-
pa conhecia o nosso plano, mas aparentemente
ocorrera uma falha de comunicação. Quando
descrevia nossaestratégiadebuscapelocorpo
de Irvine naFaixaAmarela, eles lançaram as
mãosaoare começarama discutiremnepalês.
“Não vamos ao cume?”, perguntou Lhakpa
Sherpa.“Grandeproblema.”
Ozturktraduziu-noso resto.Emprimeirolu-
gar,a equipadeapoionãoqueriaquenosser-
víssemosdascordasfixadaspeloschineses.Era
demasiado perigoso e infringia as instruções
oficiais, disseram.Em segundo lugar,ocume
eraimportanteparaeles.Algunsdosnovatosda
nossaequipanuncatinhamsubidoaotopodo
Evereste.Emterceirolugar,elesqueriampassar
omínimo de tempopossívelnoAcampamen-
toIII,quesesituaa cercade8.200metros,na
chamadaZonadaMorte,ondea atmosferaé de-
masiadorarefeitaparaossereshumanossobre-
viveremdurantemuitotempo.“Muitoperigoso
paratodos”,disseram.
Em 1924, dois
sacos-cama na
neve deram a
entender aos
companheiros
de Mallory e
Irvine que não
havia mais
esperança de
encontrar
qualquer um
deles.
Adaptadoa partirde“TheThirdPole”,deMark
Synnott, a publicarnaPrimaverade 2021 pela
Dutton,editoradoPenguinPublishingGroup.
Copyright(c) 2021 deMarkSynnott.RenanOzturk
fotografoucaçadoresdemelnoNepalparaa
ediçãodeJulhode2017.
tar-se-ia tal como Xu Jing o viu em 1960, quando
afirmou ter vislumbrado o corpo.
Quando chamámos Lhakpa para conversar
connosco na tenda de jantar e lhe dissemos que
íamos ao cume, ele anuiu e disse OK em nepa-
lês. Ninguém mencionou explicitamente a pos-
sibilidade de eu me afastar do grupo na desci-
da, mas presumi que Lhakpa percebera, tendo
em conta que lhe disséramos, poucos minutos
antes, que era esse o nosso objectivo principal.
O nosso plano pareceu-nos uma solução de
compromisso razoável.
BENTLEY BEETHAM, EXPEDIÇÃO AO MONTE EVERESTE DE 1924 (EM CIMA,
À ESQUERDA) ROYAL GEOGRAPHICAL SOCIETY (AMBAS)