LEOPARDOS-DAS-NEVES 79
Era um macho de grande porte e pertencia a
uma manada frequentemente avistada. “Vemo-
-lo sempre”, disse Namgyal. “Ele tinha perdido
o medo.” A carcaça era demasiado pesada para
o leopardo-das-neves arrastá-la para fora do rio.
Por isso, tentando manter-se seco, agachou-se em
cima dela e começou a arrancar carne das costelas
enquanto o Sol se punha por trás das montanhas.
Os guias sabiam que o felino iria alimentar-se
daquela presa durante dias e, por isso, acordaram
os seus clientes de forma a que estes ocupassem
os melhores lugares para fotografar. Muitos insta-
laram cadeiras de campismo sobre a neve, perigo-
samente perto da borda. “Se um escorrega, pode
derrubá-los todos”, resmungou Prasenjeet.
O felino voltara a aproximar-se da cabra, por
breves instantes, ao nascer do Sol, mas retirou-se
para as rochas, desaparecendo de vista. Alguns
guias disseram que ele parecia coxear. Passaram
algumas horas, enquanto aguardávamos o seu
regresso. Os turistas conviviam, os guias traziam
comida da aldeia e partilhavam garrafas térmicas
com chai. Com o Sol prestes a pôr-se, a maioria dos
turistas regressou à aldeia. Eu, Prasenjeet e Nam-
gyal íamos empacotar as nossas coisas quando um
guia apontou para a carcaça. O felino regressara.
Durante alguns minutos, observei o macho jun-
to da cabra morta. Rasgava-a, esfomeado. A certa
altura, olhou para cima, como se sentisse que esta-
va a ser observado. Sei que não é científico antro-
pomorfizar, mas não consigo deixar de imaginar
a sua satisfação: acham que sou demasiado velho
para caçar? Capturei a maior cabra do vale.
UMA SEMANA DEPOIS de eu partir da Índia, Pra-
senjeet telefonou-me. Descera até ao vale para con-
seguir bom sinal de rede porque queria dizer-me
que o velho macho morrera. Um guia vira-o perse-
guir outra cabra e depois desaparecer atrás de um
penhasco. Desta vez, não sobrevivera. “Tinha a
coluna partida”, disse Prasenjeet. “Também estava
subnutrido, possivelmente passara fome.” O felino
não ingerira carne suficiente da cabra antes de esta
congelar, o que o teria obrigado a caçar novamente.
As pessoas da aldeia vieram assistir à cremação
do leopardo-das-neves. O velho macho sempre
fora um dos preferidos, sobretudo entre os guias
por ser mais fácil de encontrar. Este ano, todos
os turistas que visitaram Kibber viram um leo-
pardo-das-neves. Nos dias após a morte do velho
macho, porém, não houve nenhum avistamento.
Apesar disso, a fêmea e as crias andavam por ali e
Prasenjeet planeava encontrá-las. j
Neste instante, Namgyal descobriu rastos recen-
tes, incluindo um pequeno que poderia pertencer
a uma cria. Prasenjeet localizou uma mancha de
urina fresca, onde um felino marcara o território.
Os leopardos-das-neves tinham passado pelas
três máquinas fotográficas. No entanto, enquanto
Prasenjeet verificava os cartões de memória um a
um, as nossas esperanças caíram por terra. Uma
das baterias das armadilhas ficara sem carga – um
problema habitual em condições de frio. Outra
sofrera uma avaria no flash. A última captara al-
gumas imagens, mas apenas uma raposa curiosa
e um bando de gralhas-de-bico-amarelo.
Prasenjeet tirou da cabeça o chapéu de tecido
polar. O cabelo comprido libertou vapor na atmos-
fera gelada quando ele lhe mexeu com os dedos.
Apercebi-me então de que aquelas semanas de frio
entorpecedor e caminhadas extenuantes tinham-
-no desgastado. Ele suspirou. “Boas notícias: agora
sabemos que há leopardos-das-neves por aqui.”
Voltámos à aldeia depois do crepúsculo. Estava
a nevar e não havia electricidade. Encontrámos
Thinley, cujos olhos arregalados brilhavam com
entusiasmo: o velho macho tentara caçar a maior
cabra da região e, durante a perseguição, o felino e
a presa caíram de um penhasco, em queda livre ao
longo de cerca de 150 metros até ao rio Spiti.
Na manhã seguinte,
encontrámos um
grande grupo de turistas
na saliência envolta em
neve de uma das zonas
mais profundas do des-
filadeiro.
Namgyal deu-me o binóculo.
Quase 300 metros abaixo de
mim, jazia no rio a carcaça de
um grande macho de cabra da
Sibéria. Um guia que assistira à
matança descreveu como o leo-
pardo-das-neves perseguira a cabra pelo penhas-
co abaixo, saltando sobre as saliências rochosas.
O felino atirou-se à garganta da cabra e ambos caí-
ram longe do seu campo de visão. “Ouvi-os bater
no fundo e depois vi-os no rio”, disse.
Ambos os animais sobreviveram à queda. A ca-
bra debateu-se na água gelada e quase fugiu, mas
o leopardo conseguiu morder o focinho do animal
e segurá-lo debaixo de água até ele morrer.