National Geographic - Portugal - Edição 232 (2020-07)

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através da neve como um pinguim gordo. Nam-
gyal, pelo seu lado, parecia ter três camadas de
roupa, no máximo, incluindo um casaco de penas
com uma fracção das penas que outrora teria. No
entanto, parecia não dar pelo frio e avançava pela
neve como... um leopardo-das-neves.
Caminhávamos rumo a um penhasco onde Pra-
senjeet instalara três máquinas fotográficas. Ele
estava convencido de que estas representavam a
melhor possibilidade de captar uma
imagem desejada durante todo o In-
verno: uma fêmea com três crias.
No que diz respeito aos grandes fe-
linos indianos, Prasenjeet, de 31 anos,
beneficia de conhecimentos especiais.
Cresceu numa quinta no meio da sel-
va nas planícies do centro da Índia,
junto da Reserva de Tigres Pench, um
dos locais que terá inspirado o cenário
de “O Livro da Selva”, de Rudyard Ki-
pling. Prasenjeet aprendeu, desde pe-
queno, a reconhecer o odor pungente
dos leopardos e a discernir as suas formas no meio
das sombras da floresta. “Nunca dávamos nome
aos nossos cães”, contou. “De seis em seis meses
eram comidos por um leopardo.” Na faculdade, os
amigos chamavam-lhe Mogli, como provocação.
Quando chegou a Kibber, em 2018, Prasenjeet
passou longos dias a explorar e a aprender pa-
cientemente com os autóctones, tal como Charu
fizera. Pouco depois, começou a avistar o velho
macho. Fotografou-o a perseguir cabras e barais
eviu-o a devorar as presas. Seguiu-lhe o rasto,
examinou os seus excrementos, descobriu grutas
com marcas odoríferas e pêlo. E, graças a uma ar-
madilha de vídeo, fitou fixamente os penetrantes
olhos azul-turquesa de um leopardo.
Na Primavera de 2019, Namgyal viu o velho ma-
cho acasalar com uma fêmea numa saliência alta.
No final do Verão, ela pariu três crias e, desde en-
tão, Prasenjeet andava obcecado em captar ima-
gens da progenitora e da sua descendência.
Atravessámos as montanhas, descemos o vale
seguinte e subimos uma cumeeira. A partir dali,
trepámos, de gatas, um conjunto de saliências ro-
chosas com uma perspectiva ampla sobre o vale
de Spiti. “Isto é como uma auto-estrada para leo-
pardos-das-neves”, disse Prasenjeet, explicando
como os felinos usam as saliências para se deslo-
carem entre os prados de altitude onde as suas pre-
sas vão pastar. Vimos as cabeças de vários barais
espreitando na nossa direcção do alto do penhas-
co, como se tivessem recebido indicações cénicas.

A disponibilidade de presas, a proximidade
dos seres humanos e outros factores podem au-
mentar ou diminuir o tamanho dos seus domí-
nios. O Snow Leopard Trust estima que existam
3.500 a 7.000 leopardos-das-neves no planeta,
mas Charu reconheceu que é apenas uma con-
jectura. “Conseguimos estudar 1,5% do habitat
do leopardo-das-neves. Não podemos dizer, ao
certo, quantos existem.”


SegundoCharu,é claroque,emmuitosdoslu-
garesondeosconservacionistasestudamo leo-
pardo-das-neves,osfelinosenfrentamameaças
crescentese dramáticas:a caçafurtiva,asacti-
vidadesextractivasquedestroemo seuhabitat,
a retaliação por parte dos pastores e mesmo
o desaparecimento das presas. “Os sucessos
em Spiti e noutros lugares são gratificantes,
mas precisamos de mais sucessos destes”,
afirmouo conservacionista.


O S
LEOPARDOS-
-FANTASMA
DOS
HIMALAIA

ENQUANTOOVELHOMACHO
TENTAVACAÇARAMAIOR
CABRADAREGIÃO,CAÍRAM
AMBOSDEUMPENHASCO,
PRECIPITANDO-SE 150
METROSEMQUEDALIVRE.

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Eu e Prasenjeet subi-
mos por uma estrada de
montanha sob o sol da
madrugada, que fazia a
paisagem nevada relu-
zir como se tivesse sido
semeada com diamantes.

Namgyal, um guia local que nos
ajuda com as armadilhas fotográ-
ficas e é conhecido por um único
nome, seguia à nossa frente ao
longo do manto da neve recente-
mente caída que nos dava pelas
coxas. A temperatura estava muito abaixo de zero
e eu vestia uma T-shirt de lã, um casaco com ca-
puz, uma camisa de flanela e uma camisola de lã,
com um casaco de penas por cima. Caminhava

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