Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 157 (2020-08)

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AGOSTO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 35


Essa política de desenvolvimento
constitui uma vitória industrial para
a China, que se tornou capaz – em seu
próprio solo e com suas próprias em-
presas, como a Shenghe – de extrair,
separar, refinar e transformar as ter-
ras-raras. Seu objetivo de fabricar
produtos mais valorizados, da mina
até a produção de componentes so-
fisticados, foi mais do que atingido:
ela garante hoje 80% da produção
mundial de ímãs à base de neodímio,
um dos mais utilizados (para telefo-
nes celulares, motores elétricos, apa-
relhos de ressonância magnética, al-
gumas turbinas eólicas etc.).
No plano ecológico, o balanço é
bem menos positivo... O desenvolvi-
mento de todas essas atividades de ex-
tração foi sinônimo de desastre nas
províncias em questão: a Mongólia In-
terior viu os lagos tóxicos se multipli-
carem, assim como os casos de enve-
nenamento por ácido sulfúrico e o que
chamamos de “vilarejos do câncer”.
Parte da população, preocupada com
os riscos sanitários e ambientais, se
mobiliza localmente, como em Guan-
gxi, para manifestar sua oposição à
extração poluente. Em suma, o custo
ambiental dessa exploração mineira
se tornou cada vez mais difícil de jus-
tificar para um regime que conhece o
que se espera dele em matéria de luta
contra a poluição, erguida sob Xi co-
mo “batalha fundamental” do PCC.
Além do mais, as reservas chine-
sas, estimadas em 44 milhões de to-
neladas, não são ilimitadas. E a de-
manda mundial deve continuar
aumentando. O consumo de certas
terras-raras pode ser multiplicado
por vinte até 2035. Pequim se encon-
tra, portanto, em uma situação para-
doxal, na qual seu controle da cadeia
de valor, principalmente do ciclo de
transformação, a obriga a considerar
limitar suas operações de extração.
Assim, as autoridades se esfor-
çam, desde o início dos anos 2010, pa-
ra manter a produção oficial entre 100
mil e 120 mil toneladas por ano. Elas
tentam paralelamente consolidar a
indústria, historicamente muito dis-
persa, em torno de grandes empresas,
a fim de reduzir a extração clandesti-
na. Ao longo da década, elas se volta-
ram sobretudo para novos parceiros,
a fim de garantir o fornecimento de
minerais: para surpresa geral, a Chi-
na se tornou, em 2018, importadora
de terras-raras brutas. Em 2019 ela
importou, segundo a alfândega chi-
nesa, 47 mil toneladas de minerais de
terras-raras e 36 mil toneladas de óxi-


dos de terras-raras, dois itens cujas
importações agora ultrapassam as
exportações. Essas terras-raras bru-
tas ou pouco transformadas provêm
da Austrália – via Malásia, onde a em-
presa australiana Lynas Corporation,
por exemplo, instalou uma parte de
suas operações de refinamento –, da
Birmânia, do Vietnã e da África.
O desafio de Pequim, desse modo,
é assegurar essas novas importações.
Em 2015, a gigante Shenghe fechou
um contrato com uma empresa aus-
traliana que explora uma mina em
Madagascar. No ano seguinte, ela se
tornou também a primeira acionista
da Greenland Minerals Ltd., compa-
nhia de mineração australiana, com
a qual fechou um acordo reservando
a totalidade da produção de terras-
-raras pesadas da mina de Kvanef-
jeld, na Groenlândia, ou seja, 32 mil
toneladas anuais desses preciosos
minerais garantidas, assim que a
produção começar.

REDUZIR A DEPENDÊNCIA
O mais espantoso é que uma parte
consequente das recentes importa-
ções provém... dos Estados Unidos. A
Casa Branca, tendo tomado cons-
ciência de sua vulnerabilidade diante
de seu “competidor estratégico”^7 chi-
nês, apoiou a reabertura da mina his-
tórica de Mountain Pass, de novo em
funcionamento desde o início de


  1. Mas o local ainda não conta
    com uma unidade de refino. Então,
    por enquanto, os Estados Unidos ex-
    portam terras-raras brutas para a
    China. Esta as refina e transforma
    antes de reexportar o produto acaba-
    do (como os ímãs) para o mercado
    norte-americano, mas também para
    o europeu, o japonês e o indiano.
    Nesse contexto, a ameaça de um
    novo embargo chinês tem credibili-
    dade? A imposição de novas medidas
    de restrição à exportação poderia,
    evidentemente, a curto prazo, favore-
    cer as empresas chinesas, fornecen-
    do a elas um acesso privilegiado a
    produtos acabados para os quais as
    possibilidades de substituição são di-
    fíceis de encontrar em diversos seto-


res. Mas isso incitaria também seus
parceiros a diversificar seus circuitos
comerciais, o que poderia compro-
meter a centralidade da China na ca-
deia de valor. Paradoxalmente, essas
restrições à exportação favoreceriam
seus concorrentes. Com efeito, elas
criariam provavelmente um “choque
de oferta” e consequentemente um
aumento dos custos mundiais, o que
tornaria a exploração de novas minas
mais rentável.
Com razão, a vontade norte-ame-
ricana de não depender mais da Chi-
na está abertamente estampada. Nos
Estados Unidos, as operações de
transformação dos minerais de ter-
ras-raras oriundos de Mountain Pass
devem voltar até o final deste ano, e o
Pentágono indicou sua intenção de fi-
nanciar a construção de unidades de
refino nacionais. A aproximação da
administração Trump com diversos
parceiros (Canadá e Austrália em pri-
meiro lugar ) é investigada pelas auto-
ridades chinesas. No verão de 2019, o
Global Times conectava a vontade as-
sumida do inquilino da Casa Branca
de “comprar” a Groenlândia – prova,
segundo ele, da “ansiedade” norte-a-
mericana diante da dominação chi-
nesa no setor das terras-raras.^8
Um ano depois da visita de Xi à
usina de ímãs do Jiangxi, a China ain-
da não executou sua ameaça de em-
bargo. Na barulhenta disputa que
opõe as duas potências, uma evolu-
ção escapou à atenção da maioria dos
observadores. Em 2020, a China não
diminuiu suas cotas de produção de
terras-raras, mas as aumentou em
10% – para Pequim, uma maneira tal-
vez de tornar a oferta mais abundan-
te, a fim de baixar os preços mundiais
e matar no ninho os novos projetos
de mineração nos quais os Estados
Unidos estão de olho.

A epidemia de Covid-19, que colo-
cou as minas chinesas e, mais ampla-
mente, a economia mundial em sus-
penso, põe em xeque esse cálculo.
Mas, no momento em que o mundo
inteiro se questiona sobre sua depen-
dência em relação à China, ninguém
duvida de que as terras-raras volta-
rão para o centro do palco.

*Camille Bortolini é analista econômica
na Direção-Geral do Tesouro francês, com
cargo em Pequim de 2017 a 2019. Os pon-
tos de vista expressos pela autora nesse
texto são pessoais.

1 Jin Canrong, “China has three trump cards to
win trade war with US” [China tem três trunfos
para vencer guerra comercial com os EUA],
Global Times, Pequim, 15 maio 2019.
2 “China rare earth groups support counter-
-measures against US ‘bullying’” [Grupos chi-
neses de terras-raras apoiam contramedidas
contra o “bullying” norte-americano], Reuters,
7 ago. 2019.
3 “Minerals Commodity Summaries” [Balanço
das commodities minerais], US Geological
Survey, Reston, jan. 2020.
4 Ler Olivier Zajec, “Comment la Chine a gagné
la bataille des métaux stratégiques” [Como a
China ganhou a batalha dos metais estratégi-
cos], Le Monde Diplomatique, nov. 2010.
5 Cf. Guillaume Pitron, La guerre des métaux
rares [A guerra dos metais raros], Les Liens
qui Libèrent, Paris, 2018.
6 OMC, “Disputa DS432 China – Medidas rela-
tivas à exportação de terras-raras, de tungstê-
nio e de molibdênio”, Genebra, maio 2015.
7 Cf. a nova estratégia de segurança nacional
norte-americana apresentada por Trump em
dezembro de 2017.
8 Wang Jiamei, “Greenland interest exposes US
rare earth deficit” [Interesse na Groelândia
expõe déficit norte-americano em terras-ra-
ras], Global Times, Pequim, 21 ago. 2019.
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