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Revista Veja/Nacional - Colunistas
sexta-feira, 31 de julho de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
completam a discreta e comovente solenidade
do local. Não é fácil, nestes tempos em que os
bolsonaristas, como na ditadura, sequestraram
os símbolos nacionais, encontrar lugar onde a
bandeira brasileira cause emoção. Pistoia é um
deles.
A Guerra de Canudos, como espelho invertido,
foi inglória, antes de tudo, por ter sido travada
contra o inimigo errado. Quatro expedições
militares foram enviadas para enfrentar o que
não passava de um ajuntamento de gente
miserável. Mesmo assim, três foram
derrotadas. A derrota mais acachapante foi a
da terceira expedição, comandada pelo coronel
Moreira César, no auge do prestígio com que
arrasara, na antiga cidade do Desterro, a atual
Florianópolis, o último foco de resistência da
Revolução Federalista. Moreira César chegou
arrotando moral. “Vamos almoçar em
Canudos”, prometeu, ao aproximar-se do
vilarejo. Levou um tirambaço na barriga e
morreu.
Sucedeu-lhe o coronel Tamarindo, celebrizado
pelo brado com que proclamou a parada
perdida: “É tempo de murici, cada um cuide de
si”. Foi morto na fuga. Mas seu grito exibe
apenas a face folclórica da vergonha suprema
em que se constituiu a campanha como um
todo. A guerra foi ganha à custa da mobilização
de 5 000 homens, recursos como o canhão
apelidado de “Matadeira”, a presença do
próprio ministro da Guerra no teatro das
operações e, no fim, com o “inimigo” vencido, a
ignomínia de abatê-los com golpes que lhes
arrancavam a cabeça.
A guerra da cloroquina é a que, no Brasil
reescrito sob inspiração bolsonarista, enfrenta
hoje o Exército nacional — e vence com brio,
segundo seu comandante, general Edson
Pujol. Num vídeo para consumo interno da
força, o general celebrou o aumento da
produção de cloroquina e álcool em gel pelos
laboratórios do Exército, e sua distribuição para
o atendimento dos soldados enfermos. Se
ficasse por aí, estaria comemorando apenas o
cumprimento de uma ordem presidencial. Mas
acrescentou: “Com orgulho, informo que a
pronta resposta já recuperou milhares de
integrantes de nossa família verde-oliva”, e
assim convalidou a eficácia do remédio.
Ponto para Bolsonaro, no empenho em
converter o Exército às suas manias. Carecer
de glórias é o normal, para as Forças Armadas
de países com poucas guerras. Ruim é
colecionar vergonhas. Na disputa entre
cloroquina e tubaína deu cloroquina na cabeça,
na visão do Exército. Danou-se, tubaína! O
governo brasileiro iniciou a guerra da
cloroquina a reboque dos EUA, e nisso seguiu
o modelo da II Guerra Mundial, embora a
diferença entre os EUA de Roosevelt e o de
Trump equivalha à existente entre uma batalha
sob o comando do general Patton e outra sob o
do coronel Tamarindo. Trump ultimamente deu
sinais de hesitação, na fidelidade à cloroquina,
mas Bolsonaro segue firme, a ponto de ter
tentado trazer para a causa uma das emas do
Palácio da Alvorada, mostrando-lhe
sedutoramente uma caixa do remédio. A ema
não foi em sua conversa. O Exército foi.
Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
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