AGOSTO 2020
séculos, a memória desses eventos traumáticos
ainda é palpável em várias cidades e vilas.
A ZONA CENTRO DE PORTUGAL foi a que mais sentiu os
efeitos da Terceira Invasão, particularmente nos
concelhos da Mealhada e de Mortágua, onde se vive-
ram os acontecimentos decisivos da batalha do Bus-
saco. No pólo do Bussaco do Museu Militar, o
confronto torna-se palpável. Armas e fardas da época
transportam-nos para o início do século XIX e diver-
sas maquetas em relevo reproduzem à escala as peri-
pécias da batalha e os movimentos dos antagonistas.
Toda a região contígua constitui um roteiro des-
ses dias em que a independência portuguesa esteve
em risco: a Capela de Santo António (onde se encon-
tra a imagem protectora do santo, primeiro captu-
rada e depois resgatada pelos portugueses) é um
desses ícones. O Convento Carmelita de Santa Cruz
(onde Wellington pernoitou num quarto com duas
portas de saída como salvaguarda em caso de ata-
que) funciona como portal do tempo para um mer-
gulho no século XIX. E no espaço hoje gerido pela
Fundação Mata do Bussaco não é difícil imaginar
Wellington amarrando o cavalo a uma oliveira,
como a tradição garante, antes de passar a noite
decisiva no convento.
No edifício da Câmara Municipal da Mealhada,
o presidente Rui Marqueiro gosta de lembrar que
os ícones de maior demanda turística são as Termas
do Luso e a Mata do Bussaco, justamente classifi-
cada como Monumento Nacional. Mas essa mesma
mata funciona como disfarce. Cobre o solo e
esconde uma orografia que, em 1810, era bastante
mais evidente. Nestas colinas e cumeadas, trava-
ram-se combates corpo a corpo pelo controlo de
cada posição: “O Roteiro das Invasões Francesas,
que está a ser preparado na região, terá de acompa-
nhar a entrada das tropas francesas em direcção à
serra do Bussaco, mas aqui estamos na região da...
terra queimada, o território que foi destruído para
não deixar nada útil ao inimigo.” É curioso notar
que, no contexto da batalha, Wellington está mais
associado ao Bussaco e a Penacova, ao passo que
Massena está ligado à Mealhada e Mortágua.
Além da beleza cénica, Penacova desempenhou
um papel vital na Terceira Invasão Francesa. Foi ali
que ocorreram os primeiros ataques e, no saldo final,
foi também ali que se registaram mais baixas. Diogo
Carvalheira, do Gabinete de Turismo da Câmara
Municipal, justifica: “Esta foi a batalha mais impor-
tante das três invasões. No primeiro ataque, houve
combates corpo a corpo. 4.500 franceses e 1.500 por-
tugueses perderam aqui a vida ou foram feridos.”
Napoleão Bonaparte, autoproclamado imperador,
estava plenamente convencido da superioridade do
seu exército. Como grande potência dominante da
Europa, impôs o Bloqueio Continental, de modo a
impedir a atracagem de navios britânicos em portos
europeus, prevendo assim asfixiar a economia dos
seus históricos rivais. Na Primeira Invasão, coman-
dada por Junot, o contingente francês não encontrou
resistência e chegou com facilidade a Lisboa, embora
a família real ainda tivesse tido tempo de fugir para
o Brasil. A segunda tentativa, pouco depois, liderada
por Soult, foi rechaçada no Norte e, para resolver defi-
nitivamente a questão ibérica, Napoleão apostou
numa terceira invasão sob comando de um dos seus
militares mais prestigiados, André Massena, que
nunca conhecera a derrota.
Em 1810, Napoleão controlava já a Espanha e Por-
tugal estava à mercê da sua ambição. Não tardou por
isso que a força militar francesa marchasse em força
para o território nacional. Depois de conquistar Ciu-
dad Rodrigo, Massena ultrapassou a resistência de
Almeida e entrou no coração do território nacional,
acompanhando o curso do Mondego.
Por esta altura, já o exército português estava mais
bem preparado e organizado, embora carente de
armamento e disciplina. Esse papel foi desempe-
nhado pelo duque de Wellington, dado que as forças
britânicas já estavam instaladas em Portugal desde a
Primeira Invasão, após terem desembarcado nas ime-
diações da Figueira da Foz.
A derradeira tentativa de conquista de Portugal
acabou por ruir como um castelo de cartas. Perce-
bendo que seria impossível ultrapassar as Linhas de
Torres Vedras e, após travar combates em Alhandra
e Sobral de Monte Agraço, Massena ordenou a reti-
rada, regressando à região centro. Esteve longe de ser
uma fuga caótica ou desenfreada. O coronel Luís
Albuquerque, director do Museu Militar de Lisboa e
especialista do período das Invasões Francesas, argu-
menta aliás que se tratou de um conjunto de mano-
bras muito bem executadas que permitiram aos
franceses poupar vidas e reservar-se para combates
decisivos que teriam lugar mais tarde.
“Dos cerca de 70 mil soldados franceses que
entraram em Portugal, sobreviveram perto de 50
mil, que viriam a sair pela fronteira do Sabugal em
1811, pelo que as baixas não foram esmagadoras” ,
comenta Luís Albuquerque. Foi nesse processo que
mais se sentiu a atitude predatória do exército fran-
cês ao longo do trajecto, deixando marcas visíveis
no património e entre a população durante as pas-
sagens pelas regiões de Pombal, Condeixa e Coim-
bra. Apesar de já terem decorrido mais de dois