National Geographic - Portugal - Edição 233 (2020-08)

(Antfer) #1
NATIONALGEOGRAPHIC

GRANDE ANGULAR | TERCEIRAINVASÃOFRANCESA


Desesperados por chegarem primeiro a Lisboa, os
aliados abandonaram Coimbra, levando tudo o que
pudesse ter utilidade para os franceses. Mesmo assim,
a cidade foi saqueada e várias colecções da Universi-
dade de Coimbra foram transportadas para Paris.
Um dos grandes problemas do exército francês era
a alimentação do efectivo. Em dezenas de ocasiões,
rapinavam ovelhas e gado e apropriavam-se de cul-
turas agrícolas. Mas havia também que dar de beber
à sede. Só mais tarde perceberam as consequências


  • os mortaguenses tinham envenenado os poços. A
    solução de recurso passou por cozinhar os alimentos
    com vinho, combatendo assim o efeito do veneno. É
    um dos mais curiosos efeitos de longa duração das
    Invasões Francesas, pois a tradição perdurou no
    tempo. A lampantana, a partir da qual derivou a chan-
    fana, é ainda o prato tradicional da região de Mortá-
    gua, acompanhado por um reserva especial de vinho
    do Dão também rotulado de Lampantana. De certa
    forma, a cada garfada de lampantana, recupera-se
    uma página da história atribulada da invasão de 1810.


CONDEIXA-A-NOVA foi também um ponto quente da
Guerra Peninsular e o Roteiro das Invasões Francesas
teria de passar por aqui. O Grupo de Recriação Histó-
rica de Condeixa tem levado a cabo eventos alusivos
às invasões, este ano adiados pela pandemia. Garan-
tida, porém, está uma reconstituição da batalha do
Bussaco, transmitida pela Internet para todo o mundo.
O exército francês estava na fase de recuo depois
de ter sido travado nas Linhas de Torres Vedras. Ao
passarem por Condeixa, os homens de Massena des-
truíram tudo o que conseguiram. O antigo Palácio dos
Figueiredos, actual Paços do Concelho, é um dos
exemplos vivos: foi incendiado pelos franceses, tal
como a igreja e algumas casas e houve um número
considerável de vítimas civis. Em contrapartida, o
belo Palácio dos Lemos escapou incólume ao vanda-
lismo, por ter sido aquele que Massena escolheu para
pernoitar.Foi também em Casal Novo, no concelho
de Condeixa, que Massena terá percebido que não
conseguiria aguentar as posições em solo português.
Condeixa não foi palco de batalha, foi um campo
de combate. No dia 14 de Março de 1811, uma fracção
do exército francês comandada por Ney e perseguida
pelas tropas de Wellington, não teve outra solução
senão defrontá-las. Em redor da aldeia de Casal Novo,
a refrega de doze horas foi feroz, registando-se baixas
em ambas as partes. Muitos soldados franceses feridos
foram recolhidos para tratamento e outros desertaram.
Condeixa ainda preserva apelidos afrancesados.
É, afinal, uma das muitas ressonâncias culturais de
um acontecimento que marcou a região de Coimbra.

Não surpreende, por isso, que tenha sido no local onde
a batalha foi mais acesamente disputada que Wellin-
gton instalou o seu posto de comando, com uma visão
periférica dos combates.
O rio Mondego não foi propriamente um lugar inul-
trapassável na travessia do exército de Massena. Há
troços de águas baixas que permitiam a homens e
armamento transpor facilmente as margens. Sabe-se
que os franceses transpuseram o Mondego para che-
gar a Coimbra e, na retirada, marcharam a sul do rio.
Transversal às localidades abrangidas pela batalha do
Bussaco, Penacova também promove um conjunto de
percursos pedestres, os designados “Caminhos da
Batalha do Bussaco”, conforme atesta Diogo Carva-
lheira: “É um passeio muito interessante, sobretudo
os percursos nocturmos de travessia do Mondego, que
conferem a esse momento histórico uma aura mágica.”
Está aliás em curso um projecto da Comunidade
Intermunicipal da Região de Coimbra para sinalizar
os principais pontos de interesse do Roteiro Temá-
tico das Invasões Francesas, que inclui o reforço
dos locais de visitação já existentes e a implemen-
tação de soluções tecnológicas de realidade
aumentada e realidade virtual. Estes projectos
desenvolvem-se em paralelo com outros de dimen-
sões territoriais mais alargadas, quer a nível nacio-
nal, quer transfronteiriço, com a chancela da
Federação Europeia das Cidades Napoleónicas e do
Itinerário Cultural do Conselho da Europa.


NUMA DAS ENTRADAS DE MORTÁGUA, percebe-se ime-
diatamente que se trata de uma localidade inte-
grada no Roteiro das Invasões: um mural de arte de
rua representa uma cena da batalha do Bussaco,
precisamente na estrada por onde passaram as tro-
pas napoleónicas. Com efeito, em Mortágua e arre-
dores os acontecimentos da Terceira Invasão
Francesa foram vividos de forma dramática pela
população, que assistiu ao avanço dos comandados
de Massena a caminho do Bussaco e aos seus movi-
mentos posteriores de retirada final.
José Júlio Norte, presidente da Câmara Municipal
de Mortágua, refere algumas das páginas da história
da vila nessa época: “Na batalha do Bussaco, o sangue
correu para Mortágua, pois foi na vertente virada para
Mortágua e Penacova que decorreram os combates.”
O vereador Paulo Oliveira acrescenta que “a população
também sofreu bastante, viu as suas casas destruídas,
familiares a morrer e mulheres violadas durante uma
semana inteira”. Também por isso concentram-se no
território alguns elementos emblemáticos da batalha:
o obelisco comemorativo e os moinhos de Sula e de
Moura (posto de comando de Massena).

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