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O Globo/Nacional - Opinião
quinta-feira, 6 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
ASCÂNIO SELEME - O rei corrupto e
o Brasil
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Por princípio, reis só devem satisfação a Deus.
Alguns, ao longo da história, se posicionaram
até mesmo acima de Deus, ou compartilharam
com ele o mesmo poder hegemônico,
indiscutível e sublime. No mínimo, eram tratados
como escolhidos por Deus. Em tempos remotos,
dispunham sobre todas as questões terrenas,
inclusive sobre a vida e a morte dos seus
súditos. Hoje, são figuras ainda cultuadas por
seus povos, como Elizabeth II, do Reino Unido,
mas no extremo reúnem apenas alguns dos
poderes de chefe de Estado, normalmente os de
representação. Mesmo assim, têm todas as
suas contas pagas pelo contribuinte. E mantêm
séquito de empregados para cumprir as tarefas
do dia dia. Nunca se viu um rei numa padaria
comprando presunto.
Por isso, é quase incrível a história de Juan
Carlos I. Peça-chave na redemocratização
espanhola depois da ditadura do generalíssimo
Franco, Juan Carlos reinou por quase 40 anos,
de 1975 a 2014, abdicando em favor do filho
Felipe VI quando começaram a surgir os
primeiros indícios de que havia algo podre
àquela altura do seu longevo reinado. Disse que
deixava o trono diante de "certos
acontecimentos" de sua vida privada. Não os
explicitou, mas se referia ao início das
investigações na Suíça que revelariam propina
de US$ 100 milhões paga pela Arábia Saudita
pela intermediação de um negócio com
empresas espanholas. Na segunda-feira,
anunciou que deixaria a Espanha para não
atrapalhar o reinado do filho.
Este seria mais um caso de corrupção, como
tantos outros que frequentam o noticiário global,
se não tivesse sido cometido por um rei. Um rei
que não deve nada a ninguém, que nem conta
bancária deveria ter em seu nome. Que não
precisa de carteira, pois não carrega dinheiro
nem documento. Alguém já viu um rei pagando
almoço em restaurante? Dando seu cartão de
crédito ao garçom, digitando a senha e pedindo
recibo para prestar conta? Ou apresentando seu
passaporte na Imigração quando visita um país?
Oras, um rei não precisa de nada disso. Então,
por que ele fez lobby, recebeu propina e abriu
conta secreta na Suíça? Essa é a questão que
deveria ser respondida, mas não pelo rei
corrupto, e sim por psicanalistas.
Juan Carlos tinha 78 anos quando foram