qual se instala um sistema da perversidade, que, ao mesmo tempo, é resultado e causa da
legitimação do dinheiro em estado puro, da competitividade em estado puro e da potência em estado
puro, consagrando, afinal, o fim da ética e o fim da política.
O dinheiro em estado puro
Com a globalização impõe-se uma nova noção de riqueza, de prosperidade e de
equilíbrio macroeconômico, conceitos fundados no dinheiro em estado puro e aos quais todas as
economias nacionais são chamadas a se adaptar. A noção e a realidade da dívida internacional
também derivam dessa mesma ideologia. O consumo, tornado um denominador comum para todos
os indivíduos, atribui um papel central ao dinheiro nas suas diferentes manifestações; juntos, o
dinheiro e o consumo aparecem como reguladores da vida individual. O novo dinheiro torna-se
onipresente. Fundado numa ideologia, esse dinheiro sem medida se torna a medida geral, reforçando
a vocação para considerar a acumulação como uma meta em si mesma. Na realidade, o resultado
dessa busca tanto pode levar à acumulação (para alguns) como o endividamento (para a maioria).
Nessas condições, firma-se um círculo vicioso dentro do qual o medo e o desamparo se criam
mutuamente e a busca desenfreada do dinheiro tanto é uma causa como uma conseqüência do
desamparo e do medo.
O resultado objetivo é a necessidade, real ou imaginada, de buscar mais dinheiro, e,
como este, em seu estado puro, é indispensável à existência das pessoas, das empresas e das
nações, as formas pelas quais ele é obtido, sejam quais forem, já se encontram antecipadamente
justificadas.
A competitividade em estado puro
A necessidade de capitalização conduz a adotar como regra a necessidade de competir
em todos os planos. Diz-se que as nações necessitam competir entre elas –o que, todavia, é
duvidoso- e as empresas certamente competem por um quinhão sempre maior no mercado. Mas a
estabilidade de uma empresa pode depender de uma pequena ação desse mercado. A sobrevivência
está sempre por um fio. Num mundo globalizado, regiões e cidades são chamadas a competir e,
diante das regras atuais da produção e dos imperativos atuais do consumo, a competitividade se
torna também uma regra da convivência entre as pessoas. A necessidade de competir é, aliás,
legitimada por uma ideologia largamente aceita e difundida, na medida em que a desobediência às
suas regras implica perder posições e, até mesmo, desaparecer do cenário econômico. Criam-se,
deste modo, novos “valores” em todos os planos, uma nova “ética” pervasiva e operacional face aos
mecanismos da globalização.
Concorrer e competir não são a mesma coisa. A concorrência pode até ser saudável
sempre que a batalha entre agentes, para melhor empreender uma tarefa e obter melhores resultados
finais, exige o respeito a certas regras de convivência preestabelecidas ou não. Já a competitividade
se funda na invenção de novas armas de luta, num exercício em que a única regra é a conquista da
melhor posição. A competitividade é uma espécie de guerra em que tudo vale e, desse modo, sua
prática provoca um afrouxamento dos valores morais e um convite ao exercício da violência.