nosso período, todas contaminadas pelo respectivo sistema ideológico. Fiquemos com a questão da
velocidade, que pode ser vista como um paradigma da época, mas também como o que ela
representa de emblemático. Na verdade, seja qual for o corpo social, a velocidade hegemônica
constitui uma das suas características, mas a definição da realidade somente pode ser obtida
considerando-se as diversas velocidades em presença. E, seja como for, a eficácia da velocidade não
provém da técnica subjacente. A eficácia da velocidade hegemônica é de natureza política e depende
do sistema socioeconômico político em ação. Pode-se dizer que, em uma dada situação, tal
velocidade hegemônica é uma velocidade imposta ideologicamente.
Como em tudo mais, a interpretação da história não pode ser deixada ao entendimento
imediato do fenômeno técnico, exigindo entender como, nessa mesma situação, se relacionam a
técnica e a política, atribuindo a esta o papel central no entendimento das ações que conformam o
presente atual e que podem tornar possível um outro futuro.
22.Just-in-time versus o cotidiano
O tema das verticalidades e das horizontalidades pode comportar numerosas
reinterpretações. Uma delas, refletindo o jogo contraditório entre essas categorias, é a verdadeira
oposição existente entre a natureza das atividades just-in-time, que trabalham com um relógio
universal, e a realidade das atividades que, juntas, constituem a vida cotidiana.
No primeiro caso trata-se da vocação para uma racionalidade única, reitora de todas as
outras, desejosa de homogeneização e de unificação, pretendendo sempre tomar o lugar das demais,
uma racionalidade única, mas racionalidade sem razão, que transforma a existência daqueles a quem
subordina numa perspectiva de alienação. Já no cotidiano, a razão, isto é, a razão de viver, é buscada
por meio do que, face a essa racionalidade hegemônica, é considerada como “irracionalidade”,
quando na realidade o que se dá são outras formas de ser racional.
O mundo do tempo real, do just-in-time, é aquele subsistema da realidade total que
busca em sua lógica nessa mencionada racionalidade única, cuja criação é, todavia, limitada, atributo
de um pequeno número de agentes. O mundo do cotidiano é também o da produção ilimitada de
outras racionalidades, que são, aliás, tão diversas quanto as áreas consideradas, já que abrigam
todas as modalidades de existência.
O funcionamento dos espaços hegemônicos supõe uma demanda desesperada de
regras; quando as circunstâncias mudam e, por isso, as normas reguladoras têm de mudar, nem por
isso sua demanda deixa de ser desesperada. Tal regulação obedece à consideração de interesses
privatísticos. Já o cotidiano supõe uma demanda desesperada de Política, resultado da consideração
conjunta de múltiplos interesses.
No caso das atividades just-in-time, uma só temporalidade é considerada: é a fórmula de
sobrevivência no mundo da competitividade à escala planetária. Como dado motor, uma só
existência, a dos agentes hegemônicos, é, ao mesmo tempo, origem e finalidade das ações. A vida
cotidiana abrange várias temporalidades simultaneamente presentes, o que permite considerar,
paralela e solidariamente, a existência de cada um e de todos, como, ao mesmo tempo, sua origem e
finalidade.
O conjunto das condições acima enunciadas permite dizer que o mundo do tempo real
busca uma homogeneização empobrecedora e limitada, enquanto o universo do cotidiano é o mundo