Essas idéias preocupavam enormemente “os homens bons”, como estes se autodenominavam:
“homens responsáveis”, na terminologia moderna. Eles estavam dispostos a conceder direitos ao
povo, mas dentro de certos limites, e sempre que por “povo” não se entendesse a turba desordenada
e ignorante. Mas como conciliar esse princípio fundamental da vida social com a doutrina do
“consentimento dos governados”, que naquela época não era tão fácil de eliminar? Uma solução
para o problema foi proposta por Frances Hutcheson, um eminente filósofo da moral,
contemporâneo de Hume. Ele disse que o princípio do “consentimento dos governados” não está
sendo violado quando os governantes impõem planos que o público rejeita, se mais tarde as massas
“ignorantes” e “preconceituosas” “consentirem sinceramente” com o que fizemos em seu nome.
Podemos adotar o princípio do “consentimento sem consentimento”, expressão usada mais tarde
pelo sociólogo Franklin Henry Giddings.
O foco de interesse de Hutcheson era o controle da turba no plano interno; o de Giddings, a
imposição da ordem no estrangeiro. Ele escrevia sobre as Filipinas, que na ocasião estavam sendo
libertadas pelas forças armadas dos Estados Unidos, que também libertavam centenas de milhares
de almas das penas desta vida – ou, como disse a imprensa, “massacravam os nativos à maneira
inglesa”, para que as “criaturas desencaminhadas” que resistem a nós pelo menos “respeitem o
nosso braço” e venham a reconhecer mais tarde que o que lhes desejamos é a “liberdade” e a
“felicidade”. Para explicar tudo isso num tom adequadamente civilizado, Giddings formulou o seu
conceito de “consentimento sem consentimento”: “Se anos mais tarde [o povo conquistado] vir e
admitir que este foi um relacionamento conflitivo em nome dos mais elevados interesses, será
razoável alegar que a autoridade foi imposta com o consentimento dos governados”, como quando
os pais proíbem o filho de atravessar a rua sem olhar.
Essas explicações apreendem o real significado da doutrina do “consentimento dos
governados”. As pessoas devem se submeter aos seus governantes e é suficiente que dêem o seu
consentimento sem consentimento. Num estado tirânico ou em território estrangeiro, pode-se usar
a força. Quando os meios violentos encontram-se limitados, o consentimento dos governados deve
ser obtido por meio de mecanismos que a opinião liberal e progressista chama de “produção do
consentimento”.
A enorme indústria das relações públicas vem se dedicando, desde as suas origens no início
do século 20, à tarefa que os líderes empresariais descrevem como o “controle da opinião pública”.
E eles cumprem o que prometeram, com certeza um dos temas centrais da história moderna. O fato
de a indústria das relações públicas ter suas raízes e principais centros no país “mais livre” é
exatamente o que poderíamos esperar de um correto entendimento da máxima de Hume.
Alguns anos depois que Hume e Hutcheson escreveram seus textos, os problemas causados
pela turba na Inglaterra se espalharam para as colônias rebeldes da América do Norte. Os
fundadores da pátria reproduziram os sentimentos dos “homens bons” britânicos quase que com as
mesmas palavras. Como diz um deles: “Quando digo o público, refiro-me apenas à sua parte
racional. Os ignorantes e vulgares estão tão despreparados para julgar os métodos [do governo]
quanto para controlar as [suas] rédeas”. “O povo é uma ‘grande fera’ que precisa ser domada”,
declarou Alexander Hamilton. Os agricultores rebeldes e independentes tiveram de aprender, às
vezes pela força, que os ideais expressos nos panfletos revolucionários não eram para ser levados ao
pé da letra. As pessoas comuns não deviam ser representadas por gente da própria terra, gente
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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