Voltando ao atual caso da OMC, em novembro de 1996, Washington (com Israel e
Uzbequistão) votou só contra uma resolução da Assembléia Geral, apoiada por toda a União
Européia (UE), que exortava os EUA a pôr fim ao embargo contra Cuba. A Organização dos Estados
Americanos (OEA) já votara unanimemente contra a Lei Helms-Burton e solicitara à sua instância
judicial (o Comitê Judicial Interamericano) para julgar a sua legalidade. Em agosto de 1996, o
Comitê decidiu por unanimidade que a lei violava a legislação internacional. Um ano antes, a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA havia condenado as restrições dos Estados
Unidos ao envio de alimentos e remédios a Cuba, como violação das leis internacionais. A resposta
do governo Clinton foi que o envio de remédios não está literalmente proibido, apenas impedido por
condições tão onerosas e ameaçadoras que mesmo as maiores empresas norte-americanas e
estrangeiras não se dispõem a desafiá-las (vultosas penalidades financeiras e detenção por aquilo
que Washington caracteriza como violação da “justa distribuição”, interdição de navios e aviões,
mobilização de campanhas de imprensa etc.) E, ao mesmo tempo que o envio de alimentos está de
fato proibido, o governo argumenta que existe “uma ampla oferta” em outras partes do mundo (a
custos muito mais elevados), de modo que a violação direta da lei internacional não é uma violação.
Quando a questão foi levada a OMC pela União Européia, os Estados Unidos rejeitaram os
procedimentos baseados no modelo da Corte Internacional de Justiça, encerrando na prática a
questão.^10
Em resumo, o mundo que os Estados Unidos buscaram “criar à sua imagem e semelhança”,
por meio das instituições internacionais, está baseado no princípio da lei do mais forte. E a “paixão
norte-americana pelo livre mercado” implica que o governo dos Estados Unidos pode violar os
acordos de comércio sempre que julgar necessário. Nenhum problema surge quando as
comunicações, os bancos e a oferta de alimentos passam ao controle de empresas estrangeiras
(principalmente norte-americanas). O problema é outro, porém, quando os acordos comerciais e as
leis internacionais atrapalham os projetos dos poderosos mais uma vez, em conformidade com as
claras lições da História.
Aprendemos outras coisas mais quando investigamos as razões pelas quais os Estados
Unidos rejeitam os acordos comerciais e as leis internacionais. No caso da Nicarágua, o assessor
jurídico do Departamento de Estado, Abraham Sofaer, explicou que, quando os Estados Unidos
aceitaram a jurisdição da Corte Internacional nos anos 1940, a maioria dos países-membros das
Nações Unidas estava “alinhada com os EUA e compartilhava os seus pontos de vista a respeito da
ordem mundial”. Mas, agora, “muitos deles já não compartilham a nossa visão a respeito da
concepção constitutiva original da Carta das Nações Unidas”, e “esta mesma maioria
freqüentemente se opõe aos Estados Unidos em importantes questões internacionais”. É
compreensível, portanto, que os Estados Unidos, desde 1960, sejam os campeões de vetos às
resoluções das Nações Unidas em uma ampla gama de questões, que incluem a legislação
internacional, os direitos humanos, a proteção ambiental e assim por diante, precisamente o oposto
da versão típica, repetida no parágrafo de abertura. Os Estados Unidos avançaram um ponto mais
na liderança dos vetos pouco depois da publicação das explanações de Abraham Sofaer, sufragando
o seu 71º veto desde 1967. Quando a questão (os assentamentos israelenses em Jerusalém) foi
levada à Assembléia Geral, os Estados Unidos e Israel ficaram isolados; também o padrão
conhecido.^11
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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