elas a legitimação do trabalho assalariado, considerado pouco melhor do que a escravidão pelas
principais correntes do pensamento norte-americano durante a maior parte do século 19, o que
inclui o movimento operário ascendente, personalidades como Abraham Lincoln, o Partido
Republicano e a imprensa do establishment^44.
Esses temas têm enormes implicações para o entendimento da natureza da democracia de
mercado. Mais uma vez, limito-me aqui a mencioná-los. O seu resultado material e ideológico ajuda
a explicar a idéia de que, no estrangeiro, a “democracia” tem de refletir o modelo que se quer em
casa: formas de controle de cima para baixo, cabendo ao público somente o papel de espectador que
não participa da arena onde são tomadas as decisões, lugar de onde essas “pessoas ignorantes e
intrometidas, estranhas ao processo”, devem ser excluídas, de acordo com a corrente geral da teoria
democrática moderna. Mas essas idéias gerais são típicas e têm sólidas raízes na tradição, embora
tenham sido radicalmente modificadas na nova era das “entidades de direito coletivo”.
Retomando à “vitória da democracia” sob a batuta dos Estados Unidos, nem Lakoff nem
Carothers se perguntam como foi que Washington manteve a tradicional estrutura de poder de
sociedades altamente antidemocráticas. Seus temas não são as guerras terroristas que deixaram
para trás de si dezenas de milhares de cadáveres torturados e mutilados, milhões de refugiados e
devastações irrecuperáveis – em larga medida, guerras contra a Igreja, que se tomou um inimigo ao
adotar a “opção preferencial pelos pobres” na tentativa de ajudar o povo sofredor a obter um
mínimo de justiça e direitos democráticos. É mais do que simbólico que a terrível década de 198 0
tenha começado com o assassinato de um arcebispo que se tomara “uma voz para os que não têm
voz” e terminado com o assassinato de seis importantes intelectuais jesuítas que haviam escolhido o
mesmo caminho, em ambos os casos por forças terroristas armadas e treinadas pelos vencedores da
“cruzada pela democracia”. Deve-se observar com bastante atenção o fato de que esses importantes
dissidentes intelectuais da América Central foram duplamente assassinados: mortos e silenciados.
Suas palavras, sua própria existência na verdade, são praticamente desconhecidas nos Estados
Unidos, ao contrário dos dissidentes de Estados inimigos, merecedores de grande respeito e
admiração.
Essas questões não entram para a história tal como narradas pelos vitoriosos. No estudo de
Lakoff, que não é atípico a esse respeito, o que sobrevive são referências a “intervenções militares” e
“guerras civis”, sem que se identifique nenhum fator externo. No entanto, essas questões não serão
descartadas tão rapidamente por aqueles que buscam um melhor entendimento dos princípios que
conformarão o futuro, caso as estruturas de poder realizem os seus intentos.
Especialmente reveladora é a descrição que Lakoff faz da Nicarágua, típica também: “Uma
guerra civil terminou, seguiu-se a realização de eleições democráticas e hoje a população está
empenhada na execução da difícil tarefa de criar uma sociedade mais próspera e autônoma”. No
mundo real, a superpotência que atacava a Nicarágua intensificou os seus ataques depois que ij
país realizou as suas primeiras eleições democráticas. O pleito de 1984 foi acompanhado de perto e
reconhecido como legítimo pela associação de intelectuais latino-americanos (LASA), por delegações
parlamentares da Inglaterra, Irlanda e outros países, incluindo uma delegação do governo holandês
notavelmente simpática às atrocidades do governo Reagan. José Figueres, da Costa Rica, a mais
importante personalidade da democracia na América Central e também um observador crítico,
considerou não obstante as eleições como legítimas, neste “país invadido”, apelando a Washington
para que permitisse aos sandinistas “finalizar em paz o que começaram; eles o merecem”. Os
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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