Lakoff não examina o “renascimento da democracia” na América Latina, mas cita fontes
especializadas, dentre as quais uma contribuição sobre a cruzada dos EUA nos anos 1980. O autor
é Thomas Carothers, que combina conhecimento com a “perspectiva interna” de quem trabalhou em
programas de “fortalecimento democrático” no Departamento de Estado durante o governo
Reagan.^40 Carothers vê como “sincero”, da parte de Washington, o “ímpeto de promover a
democracia”, mas um fracasso em sua quase totalidade. E mais, um fracasso sistemático: nos
lugares onde era menor a influência de Washington realizavam-se progressos reais em direção à
democracia, aos quais o governo Reagan geralmente se opunha, embora reivindicasse para si o
crédito do processo quando ele se mostrava irresistível. Onde era mais forte a influência de
Washington, menores eram os progressos, e ali onde eles ocorriam, a influência norte-americana
era marginal, senão negativa. Sua conclusão geral é a de que os Estados Unidos tentaram manter
“a ordem básica de... sociedades completamente antidemocráticas” e evitar “mudanças de cunho
popular”, buscando “inevitavelmente, de cima para baixo, somente formas limitadas de mudança
democrática que não perturbassem as tradicionais estruturas de poder de que os Estados Unidos
são aliados de longa data”.
Essa última condição merece um esclarecimento. O termo Estados Unidos é geralmente usado
para se referir a estruturas de poder dentro dos Estados Unidos; o “interesse nacional” é o interesse
desses grupos, que tem uma fraca correlação com os interesses da população em geral. Logo, a
conclusão é que Washington buscou formas de democracia de cima para baixo que não
perturbassem as tradicionais estruturas de poder de que os Estados Unidos são aliados de longa
data. Não é um fato muito surpreendente, tampouco uma novidade histórica.
Dentro dos próprios Estados Unidos, a “democracia de cima para baixo” está firmemente
enraizada no sistema constitucional^41. Poder-se-ia dizer, como alguns historiadores, que esses
princípios perderam força à medida que o território nacional foi conquistado e colonizado.
Independentemente do julgamento que se faça desses anos, em fins do século 19 as doutrinas
fundacionais assumiram uma forma nova e muito mais opressiva. Quando James Madison falava
do “direito das pessoas”, queria dizer pessoas. Mas o crescimento da economia industrial e a
ascensão das formas corporativas de empreendimento econômico trouxeram um significado
completamente novo ao termo. Nos documentos oficiais de hoje em dia, “pessoa tem uma acepção
abrangente, que inclui qualquer indivíduo, ramo, sociedade, grupo associado, associação, Estado,
truste, sociedade anônima (organizada ou não sob as leis de um Estado qualquer) ou entidade
governamental”^42 , conceito que teria espantado Madison ou qualquer outro que tivesse raízes
intelectuais fincadas no Iluminismo e no liberalismo clássico.
Essas mudanças radicais na concepção de direitos humanos e de democracia foram
introduzidas, principalmente, não pela legislação mas por decisões judiciais e especulações
intelectuais. As sociedades anônimas, antes consideradas entidades artificiais sem nenhum direito,
acabaram recebendo todos os direitos de pessoas e muito mais ainda, dado que são “pessoas
imortais”, “pessoas” de extraordinária riqueza e poder. Além disso, não estavam mais limitadas aos
propósitos específicos designados em seus alvarás, mas podiam atuar como quisessem, com
pouquíssimas limitações.^43
Os juristas conservadores se opuseram acirradamente a essas inovações, reconhecendo que
atacavam a tradicional idéia de que os direitos são inerentes ao indivíduo e atacavam também os
princípios do mercado. Mas as novas formas de poder autoritário foram institucionalizadas, e com
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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