Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

pragmaticamente. Kinsley observou mais tarde que os fins pretendidos haviam sido alcançados: “O
empobrecimento do povo da Nicarágua era exatamente a questão da guerra dos contras e da
política paralela de embargo econômico e veto aos empréstimos internacionais para o
desenvolvimento”, que “arrasar[am] a economia” e “criar[am] o desastre econômico [que] foi
provavelmente a melhor plataforma eleitoral da oposição vitoriosa”. Kinsley depois se juntou aos
que saudavam o “triunfo da democracia” nas “eleições livres” de 1990.^50
Os Estados clientes gozam de privilégios semelhantes. Comentando um novo ataque de Israel
contra o Líbano, o editor internacional do Boston Globe, H.D.S. Greenway, que reportara
vividamente a primeira grande invasão quinze anos antes, disse que “se o bombardeio de aldeias
libanesas, mesmo ao custo de vidas humanas, e a expulsão de refugiados civis para o norte
garantissem as fronteiras de Israel, enfraquecessem o Hezbollah e promovessem a paz, eu diria: vão
em frente, como fariam também muitos árabes e israelenses. Mas a História não tem sido generosa
para com as aventuras de Israel no Líbano. Elas resolveram muito pouco e quase sempre criaram
ainda mais problemas”. Pelo critério pragmático, portanto, o assassinato de civis, a expulsão de
centenas de milhares de refugiados e a devastação do sul do Líbano são uma proposta duvidosa^51.
Atentem para o fato de que estou me limitando ao setor dissidente da opinião tolerável, aquilo
que é chamado de “esquerda”, o que nos diz ainda mais sobre os princípios vitoriosos e sobre a
cultura intelectual dentro da qual eles encontram seu lugar.
Também reveladora foi a reação às periódicas alegações do governo Reagan de que a
Nicarágua tinha planos para obter caças soviéticos (uma vez que os Estados Unidos coagiram seus
aliados a não vendê-los). Os falcões exigiram o imediato bombardeio da Nicarágua. As pombas
rebateram dizendo que era preciso confirmar a veracidade das acusações, caso em que os Estados
Unidos deveriam bombardear a Nicarágua. Os observadores lúcidos compreendiam o motivo de a
Nicarágua estar querendo aviões de caça: para se proteger dos aviões da CIA, que sobrevoavam o
país abastecendo as forças delegadas dos Estados Unidos e passando-lhes informações atualizadas
que lhes permitiam seguir a orientação de atacar “alvos leves” desprotegidos. O suposto tácito é que
nenhum país tem o direito de defender sua população civil contra os ataques norte-americanos,
doutrina que reinou praticamente incontestada na grande imprensa.
O pretexto das guerras terroristas de Washington sempre foi à autodefesa, típica justificativa
oficial para todo e qualquer ato monstruoso, incluindo o Holocausto nazista. De fato, Ronald
Reagan, considerando “que a política e as ações do governo da Nicarágua constituem uma ameaça
incomum e extraordinária à segurança nacional e à política externa dos Estados Unidos”, declarou
“uma emergência nacional para lidar com tal ameaça”, sem ter sido por isso ridicularizado^52. Por
uma lógica similar, a União Soviética tinha todo o direito de atacar a Dinamarca, uma ameaça
muito maior à sua segurança, e certamente a Polônia e a Hungria quando estas deram passos em
direção à independência. O fato de essas alegações poderem ser regularmente colocadas em
circulação é, uma vez mais, uma interessante ilustração da cultura intelectual dos vitoriosos e
outra indicação do que vem pela frente.
Passemos ao NAFTA, o acordo “histórico” que pode ajudar o avanço da democracia ao estilo
norte-americano no México, sugere Lakoff. Um olhar mais atento é inStrutivo, uma vez mais. O
NAFTA passou “na marra” pelo Congresso, à revelia da intensa oposição popular, mas com o apoio
esmagador do mundo dos negócios e da mídia que prometiam fantásticos benefícios para todos os
envolvidos, também previstos pela Comissão de Comércio Exterior dos Estados Unidos e pelos

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