VI
A ARMA DEFINITIVA
Comecemos com algumas questões simples, admitindo-se as condições que estão dadas hoje
- e não, é claro, o fim da luta interminável pela liberdade e pela justiça.
Existe uma “arena pública” na qual, em princípio, os indivíduos podem participar das
decisões que dizem respeito à sociedade em geral: a geração e aplicação das receitas públicas, a
política externa etc. Num mundo constituído de estados-nação, a arena pública é primordialmente
governamental, em vários níveis. A democracia funciona na medida em que os indivíduos possam
ter uma participação significativa na arena pública, ao mesmo tempo em que cuidam de seus
próprios assuntos, individuais e coletivamente, sem intromissões ilegítimas por parte das
concentrações de poder. Uma democracia que funciona pressupõe uma relativa igualdade de acesso
aos recursos – materiais, informacionais e outros –, um truísmo tão velho quanto Aristóteles. Em
teoria, os governos são instituídos para servir ao seu “público interno” e devem se sujeitar à sua
vontade. Duas boas medidas da democracia que funciona são, portanto, o grau em que a teoria se
aproxima da realidade e o grau em que o “público interno” se aproxima verdadeiramente da
população.
Nas democracias capitalistas de estado, a arena pública foi ampliada e enriquecida por uma
longa e penosa luta popular, enquanto o poder privado concentrado trabalhava para restringi-Ia.
Esses conflitos formam uma boa parte da História moderna. O modo mais eficaz de restringir a
democracia é transferir a tomada de decisões da arena pública para instituições não sujeitas ao
controle público: reis e príncipes, castas religiosas, juntas militares, ditaduras de partido e grandes
empresas modernas. As decisões tomadas pelos diretores da GE afetam substancialmente a
socIedade em geral, mas os cidadãos não jogam nelas nenhum papel, por princípio (podemos deixar
de lado o claro mito da “democracia” do mercado e dos acionistas).
Os sistemas de poder não sujeitos ao controle público deixam, é verdade, algumas escolhas
aos cidadãos. Eles podem apresentar suas reivindicações ao rei ou ao CE071 e também entrar para
o partido do governo. Podem oferecer seus serviços à GE e comprar os seus produtos. Podem lutar
por direitos no interior das tiranias estatais e privadas ou solidariamente com os outros cidadãos,
como podem tentar limitar ou liquidar um poder ilegítimo em defesa de ideais tradicionais,
incluindo aquele que inspirou o movimento operário norte-americano desde as suas origens: as
fábricas devem ser geridas por quem nelas trabalha.
A “construção da América das sociedades anônimas” ao longo do último século foi um ataque
à democracia – e aos mercados, e é parte da transformação de algo que se assemelhava ao
“capitalismo” nos mercados fortemente administrados da moderna era do Estado e das S.A. Uma
variante atual é chamada de “diminuição do Estado”, ou seja, a transferência do poder decisor da
arena pública para outros lugares: “para as pessoas”, na retórica do poder; para as tiranias
privadas, no mundo real. Todas essas medidas são projetadas para limitar a democracia e domar a
“gentalha”, como era chamada a população por aqueles que se auto-designavam “homens bons” na
Inglaterra do século 17, ao tempo da primeira irrupção da democracia na época moderna; os auto-