Essas observações atingem a essência do AMI. Assim como a maior parte das políticas
públicas dos anos recentes, particularmente nas sociedades anglo-americanas, o acordo está
projetado para minar a democracia e os direitos dos cidadãos por meio da transferência de uma
parcela ainda maior do poder de decisão para instituições privadas não sujeitas ao controle público,
para os governos de quem elas são o “público interno” e para organizações internacionais com as
quais compartilham “interesses comuns”.
OS TERMOS DO AMI
O que dizem realmente e o que auguram os termos do AMI? Se os fatos e os problemas
fossem trazidos à arena pública, o que sucederia?
Não há uma resposta definitiva para essa pergunta. Mesmo que tivéssemos em mãos o texto
completo do AMI, a lista detalhada das ressalvas introduzidas pelos signatários e a transcrição
integral das atas não saberíamos a resposta. O motivo é que as respostas não são determinadas
pelas palavras, mas pelas relações de poder que impõem as suas interpretações. Há dois séculos,
na principal democracia da época, Oliver Goldsmith observou que “a lei oprime os pobres, os ricos
fazem a lei” – a lei na prática, isto é, independentemente do que digam as belas palavras. Esse
princípio continua válido.^88
Ainda uma vez, estamos lidando com truísmos, e de larga aplicação. Na Constituição dos
Estados Unidos e em suas emendas nada existe que autorize a outorga de direitos humanos
(liberdade de expressão, privacidade e inviolabilidade, direito de comprar cargos eletivos etc.) a isso
que os historiadores do direito chamam de “entidades de direito coletivo”, entidades orgânicas que
têm direitos de “pessoas imortais” – direitos que vão muito além daqueles das pessoas reais, se
levarmos em conta o seu poder, e que hoje vão sendo assimilados aos dos Estados, como já vimos.
Procurar-se-á em vão na Carta das Nações Unidas o fundamento da autoridade reclamada por
Washington para usar a força e a violência com vistas à consecução do “interesse nacional”, tal
como definido pelas pessoas imortais que lançam sobre a sociedade essa sombra chamada
“política”, na evocativa frase de John Dewey. O U.S. Code define muito claramente o crime de
“terrorismo”, para o qual a legislação prevê severas penas. Mas não encontraremos nenhuma frase
que exima de punição “os arquitetos do poder” por suas práticas de terror de Estado, para não falar
de seus monstruosos clientes (visto que desfrutam das boas graças de Washington): Suharto,
Saddam Hussein, Mobutu, Noriega e outros, grandes e pequenos. Como denunciam, ano após ano,
as principais organizações de direitos humanos, praticamente toda a ajuda externa americana é
ilegal, do principal recebedor até o último da lista, porque a lei proíbe ajuda a países que praticam a
“tortura sistemática”. A lei pode ser essa, mas qual será o seu significado?
O AMI se encaixa nessa mesma categoria. Uma avaliação possível é a da “pior hipótese”, que
será a correta se o “poder permanecer na sombra” e se os advogados das grandes empresas, que são
as suas mãos de aluguel, conseguirem estabelecer a sua interpretação da fraseologia
propositadamente ambígua e enrolada da minuta do tratado. Outras interpretações, menos
assustadoras, podem se mostrar corretas se não for possível conter a “arma definitiva” e o resultado
vier a refletir a influência dos métodos democráticos. Dentre esses possíveis resultados está o