Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

VII “HORDAS DE VIGILANTES”


O Capítulo VI foi publicado poucas semanas antes da data limite para a assinatura do AMI
pelos países da OCDE em abril de 1998. Àquela altura, já estava claro que não se chegaria a um
acordo, como não se chegou de fato – um acontecimento importante que merece uma atenta
reflexão como ensinamento sobre o que pode ser conquistado com a “arma definitiva” da
organização popular e do ativismo, mesmo em circunstâncias pouco auspiciosas.
Em parte, o fracasso do AMI deveu-se a disputas internas, por exemplo, a objeções européias
ao sistema federal norte-americano e ao alcance extraterritorial das leis dos Estados Unidos, a
preocupações com a manutenção de um certo grau de autonomia cultural e assim por diante. Mas
um problema muito mais significativo assomava: a enorme oposição pública em todo o mundo.
Ficava cada vez mais difícil assegurar que as regras da ordem global continuassem sendo “escritas
por advogados e empresários que planejam visando o lucro” e “por governos assessorados e
orientados por esses mesmos advogados e empresários”, enquanto “invariavelmente o que não se
ouve é a voz do público” – assim o Chicago Tribune descreveu as negociações do AMI, da mesma
forma como o contínuo esforço para “construir regras” para outras esferas da “atividade global” sem
a interferência do público. Em suma, estava mais difícil limitar a informação e a participação
àqueles setores identificados pelo governo Clinton, com rara e inadvertida clareza, como o seu
“público interno”: o Conselho de Assuntos Internacionais dos EUA, que “promove os interesses
globais dos negócios norte-americanos no país e no exterior”, e as concentrações de poder privado
em geral – mas, principalmente, não o Congresso (que não foi informado, em flagrante violação das
exigências constitucionais) tampouco o grande público, cuja voz foi abafada por uma “capa de
segredo” sustentada com impressionante disciplina durante três anos de intensas negociações.^94
Esse problema foi observado pelo Economist, de Londres, diante da aproximação da data
prevista para a assinatura do acordo. Informações vazavam para grupos de interesse público e
organizações populares, e estava se tomando difícil ignorar a voz daqueles que “querem inserir
padrões elevados de trabalho e de proteção ambiental a serem respeitados pelos investidores
estrangeiros”, problemas que “mal apareciam”, uma vez que as deliberações estiveram restritas aos
“públicos internos” dos estados democráticos.^95
Como já se esperava, os países da OCDE não chegaram a um acordo em 27 de abril de 1998,
com o que passamos à próxima fase. Uma conseqüência positiva foi que a imprensa nacional saiu
do seu (virtual) silêncio. Nas páginas de negócios do New York Times, o correspondente de assuntos
econômicos Louis Uchitelle informou que a data-limite para a assinatura do AMI fora adiada por
seis meses devido à pressão popular. Os tratados envolvendo relações comerciais e investimentos
geralmente “despertam pouca atenção do público” (por quê?); e embora “o trabalho e o meio
ambiente não estejam excluídos”, explicou o diretor de comércio internacional da Associação
Nacional da Indústria, “eles não ocupam o centro” das atenções dos diplomatas da área comercial e
da Organização Mundial do Comércio.

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