Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

Mas “essas pessoas de fora do processo estão clamando para se fazer ouvir nas negociações
de um tratado que irá se chamar Acordo Multilateral sobre o Investimento”, Uchitelle comentou
(com uma ironia intencional, presumo), e o clamor foi suficiente para forçar o adiamento.
O governo Clinton, “reconhecendo as pressões”, esforçou-se por apresentar a questão de um
modo apropriado. Seu representante nas negociações do AMI declarou: “Existe um forte apoio para
que o tratado preveja medidas que promovam os objetivos ambientais de nosso país e a nossa
agenda para os padrões internacionais de trabalho”. Portanto, as pessoas de fora do processo estão
tentando forçar uma porta aberta: eles deviam estar aliviados por saber que Washington sempre foi
o mais ardente defensor de sua causa.
O Washington Post também tratou do adiamento, na sua seção econômica, culpando
principalmente “a intelligentsia francesa” que “se agarrou à idéia” de que as regras do AMI
“constituíam uma ameaça à cultura francesa”, no que foi apoiada pelos canadenses. “E o governo
Clinton mostrou pouco interesse em lutar pelo acordo, em grande parte devido à veemente oposição
de muitos daqueles grupos ambientais e trabalhistas americanos que se opuseram ao [NAFTA]” e
que por algum motivo não conseguem compreender que sua luta está mal orientada, uma vez que é
o governo Clinton que tem insistido o tempo todo nos “objetivos ambientais” e nos “padrões
internacionais de trabalho” – o que não é uma rematada falsidade, desde que os objetivos e padrões
permaneçam convenientemente vagos.^96
Dizer que o movimento dos trabalhadores “lutou contra o NAFTA” é o modo característico de
apresentar o fato de que ele reivindicou uma versão do NAFTA que servisse aos interesses não
apenas de círculos de investidores, mas das populações dos três países envolvidos; e que a sua
crítica detalhada e suas propostas foram ocultadas na mídia (como o foram as análises e propostas
similares elaboradas pelo Congress’s Office of Technology Assessment).
A revista Time disse que a data-limite teve de ser adiada “em grande parte devido ao mesmo
tipo de ativismo exibido em San José”, Califórnia, referindo-se a uma manifestação promovida por
ambientalistas e outros grupos. “A acusação de que o AMI enfraquecia as proteções ambientais
nacionais transformou um acordo técnico-econômico numa cause célebre”. Essa observação ecoou
na imprensa canadense, a única no mundo ocidental a cobrir o assunto com seriedade (sob intensa
pressão das organizações e ativistas populares) depois de só dois anos de silêncio. O Toronto Globe
and Mail observou que os governos da OCDE “não resistiram a... uma liga global de organizações
populares que, com pouco mais do que computadores e acesso à Internet, ajudaram a fazer
descarrilar um acordo inteiro”.^97
O mesmo tema foi enunciado com uma nota de desespero, senão de terror, pelo mais
importante diário econômico do mundo, o Financial Times, de Londres. Num artigo intitulado
Guerrilhas em Rede, ele disse que “os governos dos países industrializados foram tomados de medo
e espanto” quando, “para sua consternação”, as tentativas de impor o AMI em segredo “foram
emboscadas por uma horda de vigilantes cujas motivações e métodos são apenas vagamente
compreendidos na maioria das capitais nacionais” – o que é muito natural; eles não fazem parte do
“público interno”. Como se pode então esperar que os governos os compreendam? “Esta semana, a
horda reivindicou o seu primeiro sucesso” ao bloquear o AMI, prosseguiu o jornal, “e há quem pense
que ela poderá alterar fundamentalmente o modo como os acordos comerciais internacionais são
negociados”.

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