108 / A loucura da razão econômica
reproduzir a força de trabalho. O capital controla o produto e seu valor, mas não
o processo de trabalho. Esse modelo contrasta com o do sistema fabril, em que o
capital controla o processo de trabalho a ponto de sujeitar as atividades do trabalha
dor a uma fonte externa de poder sob o comando do capital. O mais-valor relativo,
derivado da produtividade crescente na produção de bens salariais (as mercadorias
exigidas para reproduzir a força de trabalho), torna-se dominante. Embora o mais-
-valor absoluto permaneça a base, a produção de mais-valor relativo, que muitas
vezes se baseia nos entendimentos privilegiados derivados da ciência e da tecnologia,
torna-se a força motriz da evolução do capital. Mas nem sempre é o caso. No caso
do trabalho digital, por exemplo, surgiram práticas de trabalho assustadoramen
te semelhantes ao putting-out [sistema doméstico de subcontratação] do início da
manufatura têxtil na Inglaterra, no fim do século XVIII. O putting-out também
caracterizou as estruturas industriais em Paris ao longo de boa parte do século XIX.
O livro A taberna, de Emile Zola, é um exemplo impressionante desse sistema de
trabalho em operação na Paris do século XIX. Por muitos anos, o sucesso da indús
tria automobilística japonesa se baseou na subcontratação de pequenas oficinas para
produzir muitas de suas peças. Assim como a distinção absoluto-relativo, a distinção
formal-real é mais dialética do que a teleológica em sua aplicação.
Com um hiato tão grande e cada vez maior entre o valor e sua forma monetária
de representação, é tentador ver esta última como a essência do capital e redefinir
o capital como dinheiro em movimento, em vez de valor em movimento. Tal rede
finição facilita o enfoque em determinados aspectos característicos da forma atual
do capitalismo, como o agitado mercado especulativo de direitos de propriedade
em cultura, conhecimento e empreendimentos empresariais, bem como nas prá
ticas disseminadas de especulação em mercados de ativos. Daí a alegação de que
estaríamos adentrando uma nova fase do capitalismo, em que o conhecimento tem
proeminência, e de que uma admirável tecnoutopia assentada nesse conhecimento
e todas as inovações que poupam trabalho (como automação e inteligência artifi
cial) estariam a nosso alcance ou já teriam chegado, como defende Paul Masón18.
Tal redefinição pode até parecer adequada da perspectiva do Vale do Silício19, mas
cai por terra diante das péssimas condições das fábricas de Bangladesh e dos altos
índices de suicídio entre trabalhadores na Shenzen industrial e na índia rural, onde
a microfinança lançou sua rede a fim de socorrer a mãe de todas as crises de em
préstimos hipotecários subprime. As práticas especulativas e oportunistas de obter
lucros que têm caracterizado os mercados de ativos (em particular de habitação,
18 Paul Masón, PostCapitalism: A Guide to Our Future (Londres, Penguin, 2016).
19 Martin Ford, The Lights in the Tunnel: Automation, Accelerating Technology and the Economy ofthe
Future (Wayne, Acculent, 2009).