A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
Preços sem valores / 109

terras e imóveis) sem dúvida redistribuem valores. Mas náo conseguem sustentar
um aumento da produção de valor, salvo por meio da reconversão em capital de
ao menos parte dos ganhos monetários, em busca de valorização, ou por meio de
geração de demanda efetiva suficiente para facilitar a realização.
Encontramos aqui uma segunda “Grande Contradição” com a qual o capital se
confronta. A primeira brota da busca de mais-valor relativo que se concentra em
transformações tecnológicas que poupam trabalho e, quando têm êxito, reduzem
a força de trabalho da qual se extrai valor e mais-valor. A segunda é uma potencial
tendência do capital de ser levado, em sua busca de maximizar o lucro monetário,
a investir em áreas que simplesmente não produzem valor nem mais-valor. Levadas
ao extremo, ambas as tendências podem ser fatais à reprodução do capital. Juntas -
e as evidências contemporâneas são de que ambas são identificáveis —, elas podem
ser catastróficas.
A típica resposta neoclássica a tudo isso (bem como a de certos nomes da pró­
pria tradição marxista) é dizer que, se são os aspectos monetários e as políticas de
precificação que estão se tornando hegemônicos, então por que se dar ao trabalho
de integrar o valor à análise (a posição neoclássica) ou por que não desenvolver
uma teoria monetária do valor (como vêm propondo alguns marxistas como a úni­
ca solução viável aos dilemas teóricos que encontramos aqui)20. Procedendo dessa
maneira, eles eliminam qualquer possibilidade de explicar a estagnação secular que
parece ser a condição predominante do capitalismo global contemporâneo e per­
dem de vista a importância do antivalor para a circulação de valor. Tal expediente
pode permitir que tanto os marxistas revisionistas quanto os economistas neoclás-
sicos tomem a posição reconfortante de que dará tudo certo com o capitalismo
global uma vez que retorne às condições de equilíbrio ditadas pelos mercados de
determinação de preços em funcionamento perfeito e regulado. O mesmo vale
para os marxistas que adotam, implícita ou explícitamente, uma teoria monetá­
ria do capital (de tal forma que o capital passa a ser definido não como “valor
em movimento”, mas como “dinheiro em movimento”, ou, de modo ainda mais
vulgar, que o capital não seria nada mais do que dinheiro sendo usado para gerar
mais dinheiro por qualquer meio possível). Ignorar a contradição dinheiro/valor
é eliminar uma via importante — ainda que reconhecidamente complicada — de
compreender os dilemas da acumulação contemporânea do capital. E apenas a par­
tir dessa última perspectiva que se pode oferecer uma crítica às análises que, cada
vez mais dependentes das sofisticadas depurações de grandes conjuntos de dados,
não reconhecem que boa parte dos dados empíricos são medidas monetárias que


20 Fred Moseley, Money and Totality: A Macro-Monetary Interpretation ofMarxs Logic in Capital and
the E ndofthe “Transformation Problem” (Leiden, Brill, 2015).
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