110 / A loucura da razão econômica
podem divergir e de fato divergem ou simplesmente traem a relação social imaterial
que supostamente deveríam representar. E isso vale mesmo sem entrarmos nos pro
blemas da criação e apropriação do dinheiro no decurso do movimento do valor
através das esferas da distribuição. Quando o Federal Reserve e o Banco Central
Europeu praticam flexibilização quantitativa, criam dinheiro na ausência de valor.
Quando esse dinheiro circula como capital portador de juros, ele funciona como
o antivalor que deve ser e supostamente será resgatado pela futura produção de
valor e mais-valor. Mas, quando o dinheiro liberado circula em mercados de ativos
como o mercado imobiliário, o mercado de ações e o mercado de arte, o antivalor
não é resgatado, embora os ultrarricos fiquem cada vez mais ricos com suas espe
culações. Há, portanto, um forte incentivo para se criar ainda mais antivalor para
resgatar o que foi liberado anteriormente. O resultado não é apenas estagnação
secular na produção de valor, mas criação de um capitalismo Ponzi, que constitui o
perigoso caminho da expansão monetária infindável da qual falávamos há pouco.
Se aceitarmos uma teoria puramente monetária do capital, será muito mais difícil
formular as afiadas críticas ao capitalismo contemporâneo que Kurz e seus colegas
articularam. Perdemos o poder de revelar a contradição da crescente concentração
de riqueza monetária que ocorre necessariamente à custa do resto da humanidade,
cujas vontades, necessidades e desejos não são cacifados pela capacidade de pagar.
Vontades, necessidades e desejos da esmagadora maioria da população permane
cem irrealizados, ao passo que os ricos ampliam seu gosto por Picassos.