A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
A questão da tecnologia / 117

cepções espirituais) ou acreditarem ingenuamente que há uma solução tecnológica
única (capitalismo verde) que, como uma bala de prata, pode ser implementada
sem mudar mais nada (como, por exemplo, as relações sociais dominantes e a vida
cotidiana) faz com que as iniciativas sejam fadadas ao fracasso.
Boa parte da literatura nas ciências sociais favorece algum tipo de teoria uni-
causal da transformação social. Institucionalistas favorecem as inovações institu­
cionais, deterministas econômicos privilegiam as novas tecnologias de produção,
socialistas e anarquistas priorizam a luta de classes, idealistas preferem a mudança
das concepções espirituais, teóricos culturais se concentram nas transformações
da vida cotidiana, e assim por diante. Marx não pode nem deve ser lido como um
teórico unicausal, ainda que diversas representações de sua obra o vejam assim.
O Livro I d’O capital, em particular, não pode ser analisado dessa maneira, embora
o texto dê muita ênfase aos impactos das adaptações e do dinamismo tecnológicos.
Na obra substancial de Marx, não há um primeiro motor, mas um emaranhado de
movimentos frequentemente contraditórios pelos diferentes momentos e entre eles
que precisam ser identificados e destrinchados.
Isso não significa que em certos lugares e tempos um ou outro desses sete mo­
mentos não possa assumir um papel predominante na disrupção das configura­
ções existentes ou na resistência obstinada à mudança. Assim, quando falamos de
revoluções tecnológicas, revoluções culturais, revoluções políticas, revolução in-
formacional ou revoluções nas concepções espirituais, além de contrarrevoluções
em qualquer um desses campos, estamos reconhecendo a maneira contingente
com que a história do capital se desenrola em geral por esses diferentes momentos
e ao longo deles. Marx, é claro, almejava algum tipo de revolução socialista ou
comunista (e em diversos momentos adotou uma visão um tanto teleológica do
progresso inevitável rumo ao comunismo). Mas nunca foi capaz de especificar
qual configuração desses sete momentos podería suscitar tais transformações. O
fracasso do comunismo soviético pode ser atribuído em larga medida à forma co­
mo a interação entre os sete momentos foi ignorada, em benefício de uma teoria
unicausal segundo a qual o caminho correto para o comunismo eram as revolu­
ções nas forças produtivas.
Em estudos históricos mais detalhados, assim como no próprio O capital, Marx
ilustra a contingência disso tudo. O que constitui uma revolução não é um movi­
mento político ou um evento disruptivo como a tomada do Palácio de Inverno. A
revolução é um processo contínuo de movimentos que percorre cada um dos dife­
rentes momentos. O capital é inerentemente revolucionário, de acordo com Marx,
porque é valor em movimento sob condições de contínuo crescimento e contínua
inovação tecnológica. Transformações perpétuas na tecnologia da valorização têm
reverberações em toda parte. Mas a revolução neoliberal foi tanto uma revolução

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