A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
A questão da tecnologia / 123

ganhos de produtividade contribuíram para produzir a mazela da instabilidade e da
volatilidade. Da mesma maneira, descompassos na produtividade produzem sérios
problemas para a espiral de acumulação infindável17. Seria, portanto, completa­
mente equivocado (e fetichista) procurar uma solução tecnológica para os dilemas
atuais da instabilidade econômica. A resposta, com quase toda a certeza, terá de
ser encontrada na transformação das relações sociais e políticas, bem como nas
concepções espirituais, nos sistemas de produção e em todos os demais momentos
do processo evolutivo, em combinação com as transformações tecnológicas e orga­
nizacionais que forem apropriadas para determinados fins sociais.
Isso não significa que o ímpeto geral da evolução tecnológica seja arbitrário e
sem direção. A crença fetichista em soluções tecnológicas sustenta a visão natura­
lista segundo a qual o progresso tecnológico é ao mesmo tempo inevitável e bom,
e não há nenhuma maneira de podermos ou até mesmo tentarmos controlá-lo ou
redirecioná-lo coletivamente, muito menos circunscrevê-lo. Mas é característico
dos construtos fetichistas tornar a ação social sujeita a crenças míticas. Embora te­
nham um fundo material, essas crenças escapam das restrições materiais para, uma
vez aplicadas, acarretar consequências materiais muito claras.
Considere, por exemplo, o controle sobre o processo de trabalho, algo que
sempre foi central para a valorização. A fantasia de que o trabalhador pode ser
transformado em mero apêndice da circulação do capital entranha-se nesse proces­
so. Muitos inovadores industriais adotam essa fantasia como sua principal meta.
Um industrial francês, renomado por suas inovações na indústria de máquinas-
-ferramenta, proclamou abertamente que seus três objetivos eram estes: aumentar
a precisão, aumentar a produtividade e desempoderar o trabalhador18. O sistema
fabril, o taylorismo, a automação, a robotizaçáo e a derradeira eliminação do tra­
balho vivo por meio da inteligência artificial (LA) respondem a esse desejo. Robôs
(exceto na ficção científica) não reclamam, não respondem, não processam, não
adoecem, não fazem operação tartaruga, não perdem o foco, não entram em greve,
não exigem salários melhores, não se preocupam com as condições de trabalho, não
exigem pausas para o café e muito menos deixam de comparecer ao trabalho19. A
fantasia fetichista de controle total sobre o trabalhador e da derradeira substituição
deste por meio da tecnologia tem suas raízes no imperativo de aumentar a produ­
tividade por qualquer meio possível.


17 Robert J. Gordon, The Rise and Fali ofAmerican Growth; The U.S. Standard ofLiving since the Civil
War (Princeton, Princeton University Press, 2016).
18 Denis Poulot, Le sublime (Paris, Maspero, 1980).
15 Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, The Second Machine Age: Work, Progress, and Prosperity in a
Time ofBrilliant Technologies (Nova York, Norton, 2014).
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