A questão da tecnologia / 127
tecnológicas em relação a concepções espirituais, relações sociais, relação com a
natureza, vida cotidiana, materialidade da produção de mercadorias e arranjos ins
titucionais do Estado e da sociedade civil segue firme como um m odo de pensar
que precisa urgentemente ser desenvolvido e articulado. D essa perspectiva - que
me parece uma maneira brilhante de organizar nossas próprias reflexões críticas
é possível atacar todas aquelas teorias unicausais sobre a transformação histórica,
inclusive a que é indevidamente jogada nas costas de Marx.
Por fim, as indicações sombrias de Marx a respeito do pensamento e da política
equivocada que derivam do fetichismo tecnológico demandam atenção. Por exem
plo, é simplesmente ridícula a ideia de que a construção de cidades inteligentes,
geridas por meio da mineração de vastos conjuntos de dados, possa ser a resposta
para erradicar todos os males urbanos, como a pobreza, as desigualdades, as dis
criminações racial e de classe e a extração de riqueza por meio de despejos e outras
formas de acumulação por espoliação. É contraproducente, se não contrarrevo-
lucionária. Cria uma névoa fetichista — uma grande distração — entre o ativismo
político e as realidades urbanas, os prazeres e os desafios da vida cotidiana que
precisam ser enfrentados.
A crença na inevitabilidade do progresso tecnológico e organizacional é antiga.
Recentemente, sofreu alguns baques e, se pudermos nos fiar na cultura popular
contemporânea, vem sendo cada vez mais desafiada por imaginários distópicos.
Marx nos mostra uma maneira de sair do binarismo utópico/distópico e procurar
caminhos tecnológicos práticos que encaram a necessidade gritante de novas rela
ções sociais, novas concepções espirituais, novas formas de nos relacionar com a
natureza e todas as outras transformações exigidas para sairmos do atoleiro atual.
A tendência de fetichizar a tecnologia é um empecilho que precisa ser eliminado
e, nesse ponto, Marx é um crítico tão bom quanto qualquer outro. N o entanto,
também é verdade que a gama de possibilidades e de combinações tecnológicas
que hoje nos cerca é maior do que nunca na história humana. Sobre esse ponto,
permanece firme o insight marxista básico: o problema da política emancipatória
é liberar as imensas forças produtivas de suas amarras sociais e políticas, em suma,
da dominação do capital e de um a forma particularmente nefasta de certo aparato
estatal de mentalidade imperial e cada vez mais autoritário. Essa tarefa não poderia
ser mais clara.