A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
A produção de regimes de valor / 155

em bolsado por um a classe determinada” 5. N ão ganha brinde quem adivinhar
qual é a classe beneficiada. “A qui” , diz M arx, “a lei do valor sofre um a m odi­
ficação essencial [...] o país mais rico explora o m ais pobre, m esm o quando o
segundo ganha com a troca.”6 Isso evita qualquer “nivelamento direto de valores
po r tem po de trabalho e ainda o nivelamento de preços de custo po r um a taxa
geral de lucro entre os diferentes países”7.
O trabalho social que realizamos para os outros em determinada parte do m un­
do é diferente, tanto qualitativa quanto quantitativamente, do trabalho social que
realizamos para os outros em outra parte do mundo. N a eventualidade de uma
transação comercial entre diferentes regimes de valor regionais, o trabalho social de
um a região pode acabar subsidiando e sustentando a economia e o estilo de vida
de outra. Regimes de alta produção de valor, com o aqueles baseados em setores
produtivos trabalho-intensivos (por exemplo, México ou Bangladesh), podem es­
tar sustentando regimes capital-intensivos de alta produtividade (como os Estados
Unidos). E ainda mais grave: as usinas de engarrafamento de dívidas em N ova York
e Londres, que produzem antivalor, cobram o resgate desse valor nas fábricas de
Bangladesh e Shenzhen, e não nas quebradas de Manhattan ou Soho.
Esse argumento tem implicações de grande alcance. N o Livro I d ’O capital,
M arx se pergunta como a igualdade pressuposta pelas relações concorrenciais de
troca pode ser compatível com a desigualdade d a produção de mais-valor. A respos­
ta repousa na transformação da força de trabalho em mercadoria e na exploração
do trabalho vivo na produção. N o Livro III, M arx resolve outra surpreendente
charada. A equalização da taxa de lucro por meio da concorrência força a troca
das mercadorias não por seus valores, mas por seus preços de produção8. O s ca­
pitalistas recebem mais-valor de acordo com a força de trabalho que empregam.
A redistribuição de mais-valor a que isso leva em situações de comércio aberto no
interior da classe capitalista favorece produtores capital-intensivos em detrimento
de produtores trabalho-intensivos.
A lei da redistribuição capitalista, conforme apresentada no Livro III, evoca al­
guns paralelos interessantes. O comitê do Senado encarregado de investigar a crise
de 2007-2008 perguntou a Lloyd Blankfein, C E O da G oldm an Sachs, como ele
definiría o papel do banco. Ele respondeu que-a fuíição do banco era “fazer o tra­
balho de D eus”9. Presume-se que tinha em mente a injunção bíblica do Evangelho


5 Karl Marx, O capital, Livro III, cit., p. 277.
6 Idem, Theories ofSurplus Valué, Part 3, cit., p. 106.
7 Idem, Theories ofSurplus Valué, Part 2, cit., p. 474-5.
8 Idem, O capital, Livro III, cit., cap. 9.
9 Dealbook, “Blankfein Says Hes Just Doing ‘God’s Work’”, The New York Times [coluna], 9 nov.
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