A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
A produção de regimes de valor / 165

justificava, na visáo de M arx, a apropriação contínua da renda - um a instituição
predominantemente feudal - sob o regime capitalista.
As condições que possibilitam a apropriação de rendas diferenciais também
podem ser ativamente produzidas. Investimentos de capital fixo “autônomo” in­
corporados à terra levam à segunda forma de renda diferencial. Vantagens competi­
tivas que até então não existiam podem ser produzidas na ou sobre a terra na forma
de valores de uso privilegiados para o capital usufruir enquanto dádivas gratuitas
derivadas da “segunda natureza”.
Investimentos de longo prazo naquilo que denomino circuitos secundários e
terciários do capital, pelos quais são produzidas as infraestruturas físicas e sociais
para a acumulação de capital, fornecem um mecanismo básico por meio do qual
o capital constrói as condições físicas e sociais adequadas a suas próprias necessi­
dades, em determinado tempo e espaço históricos22. A mobilização dos fluxos de
capital para construir tais infraestruturas é um a questão complicada, que frequen­
temente exige não apenas um sofisticado sistema de crédito m as também organiza­
ção, financiamento e outras formas de intervenção do Estado. Nesse processo, um a
circulação temporal inteiramente diferente é gerada e sobreposta àquela visão do
capital como valor em movimento com a qual começamos (ver Figura 3, p. 151).
As estruturas resultantes podem ser duradouras e influentes na formação e sus­
tentação dos regimes de valor. O s bulevares do barão H aussm ann (também suas
obras hídricas e de canalização de esgoto e a criação de parques com o o Bois de
Boulogne) perduram até hoje, assim com o as obras de Robert M oses na região
metropolitana de Nova York após 1945. O s investimentos em ensino superior que
foram acompanhados pela melhoria das universidades de pesquisa nos Estados
Unidos conferiram vantagem competitiva ao país, no mínimo por duas gerações, e
moldaram seu regime de valor de uma maneira m uito particular. U m a enxurrada
semelhante de investimentos no ensino superior tem ocorrido na C hina nos últi­
m os anos (espelhada em larga medida no sucesso de Singapura) e pode vir a ter o
mesmo efeito no futuro.
Investimentos em infraestruturas sociais e físicas criam concentrações geográfi­
cas de vantagem relativa que atraem o capital. Antes que sejam dadas ao capital, as
“dádivas gratuitas” d a natureza e da natureza hum ana precisam ser produzidas. A
não ser que uma crise interrompa o processo causai circular e cumulativo por trás
do desenvolvimento desigual dos regimes de valor geográficos distintos, a tendên­
cia é que as regiões pobres empobreçam cada vez mais e as regiões ricas fiquem cada
vez mais ricas23. As vantagens duradouras persistem muito além d a data em que o


22 David Harvey, Os limites do capital, cit., cap. 12 e 13.
23 Gnnnar Mvrdal. Econnmic Theorv and UnderdevelooedRenons (Londres, Methuen, 1965).
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