Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1
pelo desenvolvimento intelectual da criança. Freud foi seduzido em vá-
rias ocasiões por este esquema." Alguns de seus discípulos adotaram-no
categoricamente. "Freud mostrou que as teorias sexuais das crianças re-
presentam uma herança filogenética" ... li: conhecido o destino que Roheim
deu a esta interpretação. A obra de Blondel confronta a consciência pri-
mitiva, a consciência infantil e a consciência mórbida, e trata-as cons-
tantemente como se essas realidades fossem intercambiáveis."
Piaget teve a este respeito uma atitude mais matizada, porém à qual
falta muitas vezes clareza. Encontra no pensamento infantil a magia, o
animismo e os mitos, e, a propósito do sacrilício, observa que a todo
momento é possível encontrar analogias entre o pensamento da criança
e o do primitivo." Acredita, entretanto, que a idéia de participação, tal
como é encontrada na criança, pode ser diferente da que os primitivos
possuem." Contudo, admite "um certo paralelismo entre ontogênese e
filogênese". mas "jamais pensamos em ver no conteúdo do pensamento da
criança um produto hereditário da mentalidade primitiva", porque "a on·
togênese explica a filogênese tanto quanto o inverso". Piaget sustenta,
contudo, que "o pensamento da criança tem uma outra estrutura, dife-
rente da estrutura do adulto" ", e em certos momentos a sedução filo-
genética parece levar a melhor: "Acreditamos... que chegará o dia em
que o pensamento da criança será posto no mesmo plano, com relação
ao pensamento do adulto, normal e civilizado, que a "mentalidade pri-
mitiva" definida por Lévy-Bruhl, que o pensamento autista e simbólico
descrito por Freud e seus discipulos, e que a "consciência mórbida", suo
pondo-se que este conceito, devido a Ch. Blondel, não se confunda um
dia com o precedente". li: verdade que acrescenta logo a seguir: "mas
evitemos esboçar aqui estes paralelos perigosos nos quais com facilidade
se esquecem as divergências funcionais" ... Conselhos de sábia prudência,
que gostaríamos de ver mais sistematicamente seguidos.
Toda tentativa aventurosa de assimilação chocar-se-ia, com efeito, con·
tra a verificação muito simples de não existirem somente crianças, prl·
mitivas e alienadas, mas também - e simultaneamente - crianças primi·
tivas e alienados primitivos. E há igualmente crianças psicopatas, pri·
mitivas ou civilizadas. Esta objeção é válida primeiramente contra os
recentes estudos consagrados às crianças chamadas "primitivas", não por·
que pertençam a sociedades diferentes da nossa, mas porque manifestam
incapacidade de realizar certas operações lógicas. Estes trabalhos, aliás,
fazem aparecer uma diferença, e não urna semelhança, entre as anomalias
do pensamento infantil e do pensamento primitivo normal. "Diferente-


  1. Cf., por exemplo, Totem et Tabou, caps. II e IV.

  2. Mélanie Klein, The Psychoanalysis 01 Children, Londres 1932, p. 188; ver tam-
    bém p. 196. Do mesmo modo: "schizophrenic logic is identical with primitive, magical
    thinking, that i8, with a form of thinking that also i8 found in the unconscious
    of neurotics, in small children, in nOfmaI persons under conditions of fatigue, as
    "antecedents" of thought, and in primitive man". Otto Fenichel, The Psychoanalytic
    Theory 01 Neurosis, Nova Iorque 1945, p. 421, cf. também p. 46S8.

  3. Ch. Blondel, La Conscience morbide, Paris 1914.

  4. J. Piaget, La Représentation du monde chez l'enlant. Trad. ingl., Nova Iorque-
    Londres 1929, p. 88 e 138·140.

  5. Ibid., p. 132.

  6. J. Piaget, Psycho-pédagogie et mentalité enfantine. Joumal de psychologie, voI.
    25, 1928, p. 38·40.


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  1. J. Piaget, Le Jugement et le raisonnement chez l'enlant, Paris-NeuchAtel 1924,
    p. 338·339.


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