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e as crenças a que dá lugar. Este prinCIPIO regulador pode possuir um
valor racional sem ser concebido racionalmente. Pode exprimir·se em fór·
mulas arbitrárias sem ser privado de significação. É à luz de considera·
ções dessa ordem que se deve definir as relações entre as organizações
dualistas e o casamento de primos cruzados. Não propomos inverter sim·
plesmente a hipótese da prioridade das primeiras sobre o segundo, mas
acreditamos que ambos encontram sua origem na apreensão pelo peno
samento primitivo de estruturas absolutamente fundamentais, nas quais
reside a própria existência da cultura. Neste sentido é possível dizer,
mas somente é possível dizer, que o casamento de primos cruzados e a
organização duaiista correspondem a dois estágios diferentes da tomada
de consciência dessas estruturas, e que a prática do casamento entre pri·
mos cruzados, apresentando mais o caráter de tentativa que de sistema
codificado, constitui, unicamente deste ponto de vista psicológico, um
procedimento que não requer uma tomada de consciência tão completa e
definitiva quanto a instituição das organizações dualistas. Mas não temos
de modo algum intenção de levantar problemas de anterioridade, que
perdem grande parte de sua importância quando damos atenção menos
às instituições consideradas em si mesmas do que à realidade comum que
é subjacente a ambas.
A difusão do casamento de primos cruzados apresenta de comum
com a do sistema dualista o fato de, sem ser universal, estender·se en-
tretanto a quase todas as partes do mundo. Mas a freqüência da pri·
meira instituição é muito maior que a das metades exogâmicas. Conforme
mostramos, um sistema de metades exogâmicas autoriza necessariamente
o casamento entre primos cruzados. Além disso, este último existe em
numerosos grupos que não são divididos em metades. Rivers mostrou
que na Melanésia são exatamente as tribos que não possuem organiza·
ção dualista as que praticam esta forma de casamento. Teremos ocasião
de retornar a este fato. A extensão maior do casamento entre primos
cruzados pode interpretar·se de duas maneiras: ou constitui o sistema
mais fundamental, e a organização dualista apareceu, como desenvolvi·
mento secundário, somente em alguns pontos de sua área de dispersão;
ou então é o casamento entre primos cruzados que constitui o fenô-
meno derivado, e a extensão mais fraca da organização dualista expli·
ca-se nesse caso por seu caráter arcaico. Ambas as interpretações estão
evidentemente impregnadas de evolucionismo, preocupando·se essencial·
mente em saber qual dos dois fenômenos é anterior ao outro. JUlga·
mos, ao contrário, que as duas instituições não devem ser consideradas
pelO ângulo de sua hipotética sucessão, mas pelo de sua estrutura. Deste
ponto de vista o casamento entre primos cruzados apresenta uma es·
trutura menos organizada, porque constitui somente uma tendência. ao
passo que a organização em metades exogâmicas é mais coerente e rí-
gida. Esta afirmação exige ser explicada com minúcias, porque seria pOSo
sivel Objetar que o contrário é verdadeiro, a saber, a organização dualista
autoriza o casamento no interior de uma categoria mais vasta que inclui
os "verdadeiros" primos cruzados, mas também parentes de grau mais
afastado. Ao contrário, a Obrigação do casamento entre primos cruzados,
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