definidos no sentido mais estrito, é às vezes um caráter notável de outro
sistema matrimonial.
A organização dualista define, pois, uma classe muito geral no in-
terior da qual é lícito procurar o cônjuge, enquanto - pelo menos em
certos casos - o sistema de casamento de primos cruzados determina
com a maior precisão o individuo com o qual uma pessoa· deverá obri-
gatoriamente casar-se. Mas a diferença não é exatamente essa, porque
a organização dualista define uma classe que possui limites rigorosamente
fixados, ao passo que o sistema de primos cruzados prende-se a uma
relação entre Indivíduos, sendo esta relação capaz de sofrer sucessivas
relnterpretações. Mesmo entre os Toda e os Vedda, que dão extrema
importância à relação de parentesco, um Individuo destituido de primo
cruzado poderá contrair um outro casamento, ficando entendido que os
casamentos possiveis serão ordenados em uma ordem preferencial, se-
gundo a maior ou menor conformidade com o modelo ideal. O fato de
somente 30% dos casamentos nas ilhas Fidji, analisados por Thomson,
terem correspondido à definição rigorosa dos primos cruzados, estabelece
o mesmo caráter.' Exatamente a mesma coisa acontece na Austrália.'
Por conseguinte, se o sistema dos primos cruzados define mais rigorosa-
mente a relação entre os Individuos deixa estes próprios Individuos em
uma indeterminação maior. Com a organização dualista dá-se o contrá-
rio, porque deixa a relação num plano vago, mas delimita rigorosamen-
te a classe e os Indivíduos compreendidos por extensão nessa classe. Que
resulta dessa análise? É que a organização dualista aparece como um
sistema global, abrangendo o grupo em totalidade. Ao contrário, o ca-
samento entre primos cruzados apresenta-se muito mais como um pro-
cedimento especial, constituindo menos um sistema do que uma tendên-
cia. Entre os Hotentote, refere-nos Hoernlé', não parece que o casamento
entre primos cruzados tenha sido objeto de uma obrigação positiva, mas
é somente o casamento entre primos paralelos que era rigorosamente
proibido. Contudo, acrescentamos, é raro encontrar um sistema de pa·
rentesco tão impecavelmente construido em redor da dicotomia dos pri·
mos e do Intercasamento das duas classes, do que o sistema Hotentote.
Na América do Sul, onde encontramos sistemas de parentesco que apre-
sentam igual rigor, por exemplo, entre os Nhambkwara, a mesma verifi·
cação se impõe.
Vê·se, pois, qual é, a nossos olhos, a relação teórica entre a orga·
nização dualista e o casamento entre primos cruzados. Ambos são siso
temas de reciprocidade, ambos conduzem a uma terminologia dicotômica,
cujas grandes linhas são as mesmas nos dois casos. Mas, enquanto a
organização dualista com metades exogâmicas dá uma definição vaga do
conjunto real, determina da maneira mais rigorosa o número e a iden·
tidade dos possíveis cônjuges. Em outros termos, é a fórmula altamente
especializada de um sistema do qual o casamento entre primos cruza·
dos estabelece o esboço, e do qual constitui a expressão ainda mal di·
ferenciada. O casamento entre primos cruzados define uma relação e
- Basil Thomson, The. Fijians: a Study Df the Decay 01 Custam, Londres 1908,
p. 187. - A. R. Radcliffe Brown, Three Tribes Df Western Australia. Journal 01 the Royal
AnthTopological Institute, vaI. 43, 1913, p. 158. - A. W. Hoernlé, The Social Organization of the Nama Hottentots. American Anthrcr
pologist, vaI. 27, 1925.
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