CAPiTULO IX
o Casamento dos Primos
A natureza do prinClplO de reciprocidade permite-lhe agir de duas ma-
neiras diferentes e complementares: ou pela constituição de classes que
delimitam automaticamente o grupo dos cônjuges possíveis ou pela de-
terminação de uma relação, ou de um conjunto de relações, que permi-
tem dizer em cada caso se o cõnjuge considerado é desejável ou ex-
cluído. Os dois critérios são dados simultaneamente, mas sua importância
relativa varia. A classe fornece o primeiro meio de abordagem nas or-
ganizações dualistas ou de classes matrimoniais. A relação é, ao contrá-
rio, utilizada primeiramente - em forma negativa - com a proibição
do incesto simples.
Mas há um caso privilegiado em que os dois aspectos do princípio
de reciprocidade coexistem, ou melhor: têm a mesma importância relativa,
em que se superpõe exatamente e somam seus efeitos. É o do casamento
entre primos cruzados. Neste caso, mais que em qualquer outro, a clas-
se e o grupo de indivíduos determinados pela relação são coextensivos.
Por isso Morgan, Tylor e Frazer puderam observar que a organização
dualista tinha a mesma terminologia de parentesco que os sistemas de
casamento de primos cruzados, e que os primos cruzados distribuíam·se
como se pertencessem a metades diferentes. Com efeito, o casamento
dos primos cruzados distingue·se da proibição do incesto no sentido de
que esta utiliza um sistema de relações negativas, enquanto o primeiro
emprega um sistema de relações positivas. Uma diz com quem não se
pode casar, a outra quais são os cônjuges preferidos. Ao mesmo tempo,
o casamento dos primos cruzados distingue·se da organização dualista na
medida em que esta última utiliza um procedimento automático (a fi-
liação unilinear) para dividir os indivíduos em duas categorias, enquanto
a outra emprega um processo de discriminação aplicado separadamente
a cada candidato. Finalmente, o casamento dos primos cruzados é o
único tipo de união preferencial que possa funcionar de maneira normal
e exclusiva, dando a todo homem a possibilidade de encontrar uma pri-
ma cruzada com a qual se case, e a toda mulher um primo cruzado,
em toda parte onde a terminologia do parentesco distribui todos os in-
divíduos da mesma geração, e do outro sexo, em duas categorias apro-
ximadamente iguais, os primos cruzados (reais ou classificatórios) e os
irmãos ou irmãs (incluindo os verdadeiros e os primos paralelos). Se-
gundo nosso modo de pensar, os SOciólogos têm portanto cometido a
falta de mostrar a importância e o lugar reais do casamento entre pri-
mos cruzados quando o reuniram, sob o nome geral de união preferen-
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