eial, com outros sistemas tais como o levirato, o sororato ou o casamento
avuncular. Estes últimos não são uniões preferenciais, porque não podem,
em nenhum grupo, e por motivos evidentes, constituir o modo exclusivo,
ou mesmo preponderante, do casamento. Preferiríamos chamá·los uniões
privilegiadas, porque supõem outros modos de união, sobre os quais elas
próprias se enxertam.
Tomemos, por exemplo, os Miwok da Califórnia. Gifford sustentou
a tese segundo a' qual nesse grupo o casamento entre primos cruzados
representa uma aquisição recente, e que a forma antiga de casamento
era com a filha do irmão da mulher. Não discutiremos aqui o primeiro
ponto. O fato do sistema matrimonial refletir-se, ou não, na terminolOgia
do parentesco (e Gifford comprova que não se reflete) não pode, em
nossa opinião, ser legitimamente invocado em favor da anterioridade ou
da posterioridade de um sistema.' Mas é certo que o casamento com a
filha do irmão da mulher nunca constituiu o modo normal do casamento,
pela simples razão de que para casar·se com a filha do innão da mu·
lher é preciso ter já uma mulher, e esta não pode, sem círculo vicioso,
atender à mesma definição. Este modo de casamento por conseguinte
nunca pôde constituir senão uma forma de união privilegiada, e dupla·
mente privilegiada. Primeiramente porque é um privilégio para um ho-
mem casado, cuja mulher tem um irmão, e cujo irmão tem uma filha,
pOder reivindicar esta filha para segunda esposa. Em seguida, porque este
sistema tem a propriedade, que tanto impressionou Gifford, de se refletir
em doze formas diferentes de denominação.
Mas, para que seja possível invocar este último fato em favor da
anterioridade e generalidade do sistema, seria preciso que, como em nossa
sociedade, os indivíduos nunca sejam unidos entre si senão por uma
única relação de parentesco. Ora, isto raramente acontece nas sociedades
que utilizam o sistema classificatório, e nunca se dá nos grupos com
fraca densidade relativa de população, nos quais os casamentos ocorrem
no interior de um círculo restrito. Em tais sociedades os indivíduos de-
vem escolher entre os múltiplos laços de parentesco que unem cada um
deles a todos os outros.' Nada exclui, por exemplo, que a irmã do pai
seja ao mesmo tempo a mulher do irmão da mãe, se casa com seu
primo cruzado, uma avó (se o irmão da mãe do pai possui um privi·
légio matrimonial sobre a filha da irmã), uma sogra (se o individuo se
casa com a filha da irmã do pai) e uma esposa (se a pessoa possui
um privilégio matrimonial sobre a viúva do tio maternol. O sistema au·
toriza, pois, cinco denominações diferentes que se aplicam ao mesmo in-
dividuo. Nessas condições, que coisa então determina a deSignação es·
colhida? Pode ser a antiguidade ou a generalidade de uma forma de
casamento, mas talvez também seu caráter excepcional, ou porque os
detentores do privilégio desejam consagrar o princípio dele, fixando no
uso a denominação correspondente, ou porque o grupo inteiro se di·
virta em acentuar uma singularidade maliciosa, proveniente do conflito
entre uma forma excepcional de casamento e a forma normal.
- Cf. Segunda parte, capo XXII.
- R. Firth desenvolveu observações análogas a propósito das sociedades poliné-
sias. Cf. R. Firth, Marriage and the Classificatory System of Relationship, Journal
of the Royal AnthropolOgical Institute, voI. 60, 1930; We, the Tikopia, op. cit., p. 266sB.
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