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paralelos entre si descendem de famílias que se encontram na mesma
posição formal, que é uma posição de equilibrio estático, ao passo que
os primos cruzados descendem de famílias que se acham em posições
formais antagonistas, isto é, umas em relação às outras em um dese-
quilíbrio dinãmico, que é herança do parentesco, mas que só pode ser
resolvido pela aliança. A relação de troca, por conseguinte, é dada an-
teriormente às coisas trocadas, e' independentemente destas. E se os bens
considerados isoladamente são idênticos, deixam de o ser quando os si-
tuamos no lugar que lhes pertence na estrutura de reciprocidade.
Frazer encontra-se assim diante de uma dificuldade insolúvel, quan-
do depara com um sistema matrimonial como o de Buin, nas ilhas Sa-
lomão, onde a troca de mulheres em lugar de substituir a compra ao
contrário superpõe-se a ela. Invoca, é verdade, o fato de que sendo de
valor idêntico os bens transferidos, as duas compras neutralizam-se, tu-
do se passando como se não existissem. "Se dois tomens pagam um
ao outro meia coroa, o resultado líquido é o mesmo que se não tives-
sem pago nem recebido nada". 1.; Mas em Erromanga e em várias re-
glOes da Asia Central e Oriental, onde as trocas de mulheres se realizam
entre distritos e não entre famílias, não são somente bens de mesmo
valor que são objeto da dupla transação, mas são os mesmos objetos
que acompanham na ida e na volta a transferência das esposas. Acha-
mo-nos aqui em face de uma operação que não somente é nula do
ponto de vista econômico, mas absurda. Torna-se, porém, muito clara
quando se admite que aquilo que tem importância é a troca e não as
coisas trocadas. Conforme diz Frazer em outra ocasião, "o aspecto es·
tritamente mercantil, para não dizer mercenário, dessas transações ma·
trimoniais repousa somente na superfície". 16 Mas é possível ir ainda
mais longe, porque a hipótese de Frazer é contraditória. Pretende, com
efeito, provar a alta antigüidade do casamento dos primos cruzados su-
pondo que a troca de mulheres deve ter tido origem em grupos tão
primitivos que as mulheres representavam aí as únicas riquezas dispo·
níveis. "No estado de pobreza geral que caracteriza um nível muito bai-
xo de selvageria um homem não tinha praticamente nenhum outro meio
legal de obter uma mulher".'; E conclui que o casamento dos primos
cruzados iniciou-se em um regime "de extrema ignorância e pobreza,
senão mesmo de absoluta miséria"." Estamos de acordo, e mesmo mui-
to mais do que isto, sobre esta extrema primitividade do casamento
por troca. Mas como, nessas condições, fazer da troca um substituto
da compra, uma vez que se começa por supor uma humanidade tão
elementar que não possui nenhum meio de pagamento? De onde lhe viria
a própria noção de compra? Com efeito, Frazer imagina um indivíduo
abstrato, dotado de consciência econômica, e depois transporta-o ao lon-
go das idades, para uma época longínqua na qual não existe nem ri-
queza nem meio de pagamento, e nesta situação paradoxal leva-o a des-
cobrir, por uma visão profética, na mulher um substituto antecipado
de seu próprio preço. Mas na realidade na troca das mulheres nada
existe que se assemelhe à solução racional de um problema econômico
- Ibid., p. 220, n. 1.
- Ibid., p. 218.
- Ibid" p. 245.
- Ibid., p. 221.
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