Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1


Mas como aplicar o mesmo raciocilllO à proibição do casamento
entre irmãos e irmãs e à primeira bipartição do grupo (a mais difun-
dida tambélil) em duas metades exogâmicas? Porque neste caso a inten-
ção suposta corresponde somente a uma parte muito pequena do re-
sultado, e se quisermos exprimir o resultado em termos de intenção é
preciso supor que esta foi bem diferente.


A organização dualista traduz-se pela bipartição dos colaterais em
duas categorias, aqueles com os quais é possível contrair casamento e
aqueles com os quais é impossível. Esta última categoria compreende,
ao mesmo tempo, os irmãos e as irmãs e os primos paralelos. 11: por-
tanto arbitrário decidir que a finalidade da instituição consiste em im-
pedir o casamento entre os irmãos e as irmãs, e que a proibição dos
primos paralelos aparece somente no quadro como um acidente. O con·
t,·ário poderia ser igualmente verdadeiro, e se tivesse havido o desejo
de proibir somente o incesto dos irmãos e irmãs, bastaria proibi-lo sim·
plesmente, em vez de edificar uma instituição prodigiosamente incômo·
da e que só consegue eliminar um, dois ou três cônjuges indesejáveis
com a condição de proibir, na mesma ocasião, aproximadamente a me-
tade dos homens ou das mulheres disponíveis. Se verdadeiramente a oro
ganização dualista, que me proíbe de casar-me com a metade das mu·
lheres do meu grupo, sÓ foi instituída para evitar meu casamento com
minha irmã, é preciso reconhecer que, no espírito daqueles que a con·
ceberam, uma singular incoerência misturou-se com a clarividência que
lhes é reconhecida tão generosamente. Na realidade, ou a organização
dualista não serve para nada - o que é uma tese defensável - ou serve
precisamente para aquilo a que conduz, e serve a tudo isto. Pretender,
por outro lado, que a organização dualista foi conscientemente desejada
e concebida, e, por outro lado, foi somente desejada e concebida para
uma pequena fração dos resultados que acarreta (quando esta fração
poderia ter tão facilmente sido assegurada por outros meios, e de fato
assim aconteceu em numerosos grupos), representa uma posição inacei-
tável, tanto do ponto de vista do encadeamento histórico das institui-
ções quanto do ponto de vista de uma vontade legisladora. Mas, se a
organização dualista, conforme acreditamos, tem por função produzir as
conseqüências que são efetivamente as suas, então é preciso admitir que
esta função não consiste em eliminar um grau de parentesco demasiado
próximo. Os irmãos e as irmãs são mais próximos que os primos pa-
ralelos, com os quais são confundidos, e os primos paralelos são tão
próximos quanto os primos cruzados, dos quais contudo se distinguem.
Se a organização dualista tem uma razão de ser, esta não pode encon-
trar-se senão numa qualidade comum dos irmãos e das innãs e dos pri-
mos paralelos, pela qual esses dois grupos se opõem, da mesma maneira,
ao grupo dos primos cruzados. Esta qualidade comum não pOde ser a
proximidade biológica. Encontramos esta qualidade comum no fato dos
irmãos e irmãs, assim como os primos paralelos, se encontrarem orien-
tados da mesma maneira, e afetados pelo mesmo sinal, no interior de
uma estrutura de reciprocidade, o que de alguma maneira, portanto, os
faz se neutralizarem, enquanto os primos cruzados são afetados de si-
nais opostos e complementares. Para conservar a mesma metáfora po-
deríamos então dizer que se atraem.


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