Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

tade - metades acompanhadas de clãs matrilineares - secções acom-
panhadas ou não de clãs matrilineares - subsecções " seqüência que está
pouco de acordo com o papel fundamental atribuído por Radcliffe-Brown
à horda patrilinear. Não parece haver dúvida, no entanto, que "a grande
maioria, e talvez a totalidade, das populações australianas tenham sido
primitivamente organizadas com base em hordas patrilineares e patri-
locais".· A regra de filiação (patrilinear ou matrilinear) seria pois se-
cundária com relação à regra de residência.
Do ponto de vista que nos interessa, a oposição reduz-se a uma
questão de método. Quando Radcliffe-Brown, partindo da observação con-
creta dos grupos, afirma a generalidade da horda e sua realidade so-
ciológica e psicológica, dificilmente se pode pôr em dúvida o valor de sua
observação. Lawrence coloca-se num ponto de vista mais formal e adota
a noção de troca das irmãs como base comum de todos os sistemas
australianos. Sendo assim, é a dicotomia matrilinear, considerada como
a forma constante de dicotomia (porque as secções locais podem ser
mais ou menos numerosas), que lhe parece essencial. Lawrence tem fun·
damento para tomar a noção de troca como ponto de partida de sua
análise, mas interpreta-a exclusivamente em termos de troca restrita, o
que torna o sistema Murngin ininteligível para ele, conforme demonstra
o seguinte trecho, a propósito das regiões que praticam o casamento
"unilateral" (isto é, exclusivamente com a filha do irmão da mãe): "Es-
tas últimas foram recentemente descobertas e são ainda mal compreen-
didas. Em cada caso particular o relatório de que se dispõe é insufi-
ciente e não oferece nenhuma explicação da maneira como o ciclo dos
casamentos se fecha entre as hordas. Não se encontra também articula-
ção satisfatória da nomenclatura do parentesco, seja com os clãs patri-
lineares seja com as divisões que se assemelham a classes. Estas áreas
dispersas revelam constantemente divisões que têm a aparência das elas·
ses em uso nos grupos vizinhos que praticam a troca das irmãs. Seria
fácil concluir que estes sistemas têm uma certa antigüidade, havendo
sido modificados ulteriormente por empréstimos. Todo comentário parece
prematuro enquanto não possuirmos descrições mais exatas". U


Mas é a concepção que Lawrence tem da troca das irmãs que é de-
feituosa, e não as descrições do sistema Murngin. Procuraremos mostrar
que este sistema funda-se, também ele, sobre a troca e para isso sere-
mos obrigados a ampliar consideravelmente a definição da troca, en-
tendida em sentido restrito, à qual Lawrence quis se limitar. Ao mesmo
tempo ver·se·á que a troca, em forma generalizada, pode processar·se
tanto entre hordas patrilineares como entre metades matrilineares, e que
do ponto de vista da análise formal a questão da prioridade é secun-
dária. Kroeber fez a este respeito uma observação que só podemos subs-
crever parcialmente. Quando estamos em face de sistemas com quatro
ou oito classes, diz ele, "as noções de 'patrilinear' ou 'matrilinear' tór·
nam·se inteiramente inutilizáveis, exceto quando os nomes de metades
subsistem ademais dos nomes de secções ou de subsecções, o que em
geral não acontece. Em suma, quando há quatro secções ou oito subsec-



  1. W. E. Lawrence, op. cit., p. 346.

  2. A. L. Kroeber, Basic and Secondary Patterns 01 Social Structure, op. cit., p.
    302-303.

  3. W. E. Lawrence, op. cit., p. 345.


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