Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

É nesse momento que se apresenta um problema, segundo nosso modo
de ver, capital. Porque se considerarmos a estrutura geral anexa, percebe-
se que não difere, tanto quanto se poderia esperar, da estrutura de um
grupo dividido em duas metades. Neste caso também o casamento ocor-
reria principalmente entre primos cruzados, que seriam habitualmente
primos bilaterais. A superposição de uma dicotomia matrilinear à dicoto-
mia patrilinear nada mudou, do ponto de vista das regras do matri-
mônio entre primos. No entanto era de esperar coisa muito diferente.
Se a primeira divisão do grupo em duas metades tem como resultado
imediato separar as mulheres em dois grupos, um incluindo as esposas
possiveis e o outro as esposas proibidas, isto é, dividir por dois o nú-
mero dos cônjuges, seria natural que uma segunda divisão repetisse a
mesma operação, Isto é, dividisse novamente por dois o número dos
cônjuges mantidos como possiveis ao final da primeira dicotomia." De-
ver-se-á, portanto, admitir que a introdução de um sistema de quatro
classes é estranha à regulamentação do casamento? Se assim não for,
em que afeta esta regulamentação?
Dissemos há pouco que a instauração de um sistema de quatro clas-
ses resulta da superposição de uma dicotomia matrilinear a uma dico-
tomia patrilinear. Mas estas regras dicotêmlcas não funcionam da mesma
maneira na determinação da filiação. Um sistema de quatro classes re-
conhece-as ambas, mas não na mesma relação, pois cada qual possui
sua aplicação própria. Enquanto a regra matrilinear é seguida no que se
refere à filiação, a regra patrilinear entra em jogo para determinar a
residência, ou mais exatamente a origem local. Lembramo-nos, com efei-
to, que o grupo local, ou horda, é constituido sobre uma base patrilinear.
Os sistemas de duas metades não levam em conta este grupo local para
a determinação da filiação, uma vez que só a metade matrilinear tem
importãncia. Ao contrário, os sistemas de quatro secções apelam para
dois elementos, conservando a metade da mãe, mas tomando também
em consideração o grupo do pai. É a introdução deste novo elemento
que realiza a passagem de um sistema de duas classes para um sistema
de quatro classes.
Um exemplo servirá para ilustrar esta transformação. Suponhamos
todos os habitantes da França divididos entre duas famillas, os Dupont
e os Durand, e admitamos que, ao contrário do que ocorre nesse pais,
os filhos tomem sempre o nome da mãe. Teremos assim um sistema que
se assemelhará de modo aproximado a uma organização em metades
matrilineares, que serão também exogâmicas se acrescentarmos a lei de
que todos os Durand casam-se com os Dupont, e todos os Dupont com os
Durand. O resultado de tal sistema, ao cabo de um certo número de anos,
será que todas as cidades da França compreenderão um determinado
número de Dupont e um de~rminado número de Durand. Nenhuma re-



  1. É supérfluo notar que não consideramos aqui senão as regras do casamento
    entre pessoas da mesma geração e que negligenciamos provisoriamente o caso - que
    será considerado mais tarde - onde a organização dualista permite o casamento
    com uma "mie" ou uma "filha" classlficatórias. Este caso é sempre teoricamente
    possivel e encontra-se muitas vezes realizado num sistema de metades, mas é rigo-
    rosamente excluído num sistema de secções. Contudo julgamos que os fenOmenos ditos
    de "obllqWdade" levantam problemas de outra ordem, que serão abordados na nossa
    segunda parte. Kroeber. por outro lado, acentuou a raridade do casamento plural
    com mãe e filha (A. L. Kroeber. Stepdaughter Marrlage. Amertcan Anthropologist,
    vaI. 42, 1940). ,


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